Vale anuncia descaracterização de outra barragem a montante, estrutura símbolo do atraso minerário - Projeto ManuelzãoProjeto Manuelzão

Vale anuncia descaracterização de outra barragem a montante, estrutura símbolo do atraso minerário

22/07/2021

Barragem Fernandinho, em Nova Lima, é a terceira estrutura descaracterizada em Minas Gerais; mineradoras são obrigadas a desativarem todas estruturas desse tipo até 2022

A Vale anunciou, no último dia 13, a conclusão da descaracterização da barragem Fernandinho, da mina Abóboras, no Complexo Vargem Grande, em Nova Lima. Isso significa que a estrutura perdeu suas características originais de armazenamento de rejeitos e foi reincorporada ao ambiente. A barragem Fernandinho foi construída a partir do método a montante, mesmo das barragens que se romperam no distrito marianense de Bento Rodrigues, em 2015 e no Córrego do Feijão, em Brumadinho, em 2019. Juntos, os crimes vitimaram quase 300 pessoas e destruíram as bacias do rio Doce e Paraopeba.

Duas leis a nível estadual e federal proíbem, desde 2019, as barragem a montante, isto é, quando os diques de contenção se apoiam sobre o próprio rejeito depositado. A Lei Estadual 23.291/2019 institui a Política Estadual de Segurança de Barragens em Minas Gerais e proíbe a concessão de licença ambiental para operação ou ampliação de barragens a montante, assim como obriga a descaracterização dessas estruturas. Em âmbito federal, a Lei 14.066/2020 proíbe a construção de novas barragens a montante, tal qual estipula o prazo de desativação das mais de 80 estruturas nesse formato no país até 25 de fevereiro de 2022.

Contudo, o que se vislumbra é um futuro de indenizações atrasadas e somente 14% das barragens cumprindo o prazo estipulado por lei. Estudo divulgado pelo Ministério Público informou que somente 8 das 56 estruturas de Minas Gerais cumprirão esses prazos, algumas delas precisarão de uma prorrogação de até 8 anos.

Até o momento, a empresa descaracterizou apenas seis estruturas: as barragens 8B, Pondes de Rejeitos e Fernandinho e os diques Kalunga 2, Kalunga 3 e Rio do Peixe, metade delas em Minas Gerais. O número está bem longe das 122 estruturas catalogadas em situação crítica pelo Relatório de Segurança de Barragens em 2020.

Na semana passada, a empresa anunciou o começo das operações em Macacos, na Barragem B3/B4 da Mina de Mar Azul, e também na Barragem Sul Superior em Barão de Cocais. Ainda existem 30 estruturas geotécnicas na lista do Programa de Descaracterização de Barragens da Vale, entre elas 16 barragens, 12 diques e dois empilhamentos drenados. A Política Nacional de Segurança de Barragens prevê multas de até  R$ 1 bilhão para empresas que não cumprirem as descaracterizações.

O processo de descaracterização consiste em retirar as características da estrutura, como sugere o nome, fazendo com que ela perca a função de armazenamento de rejeitos e de água. Inicialmente, ocorre a remoção dos rejeitos que ela comportava, após essa etapa inicia-se a drenagem de água da chuva nas obras e reforço estrutural do maciço, além da retirada de material bruto do local. Depois, vem a reintegração do território ao ambiente, monitoramento e controle da estabilidade biológica e averiguação de impactos ambientais. 

Apesar de necessárias, o coordenador do Manuelzão, Marcus Vinícius Polignano, reiterou o perigo das obras de descaracterização, já que essas estruturas não foram feitas para serem desmanchadas. Em suma, elas se tornam grandes bombas-relógio, estruturas obsoletas, baratas para construção a curto prazo, mas muito caras ambientalmente e socialmente. Barragens mesmo inativas precisam de vigilância constante.

Famílias retiradas ainda esperam indenizações e moradias

Nas vidas das famílias atingidas pelas duas tragédias em decorrência de barragens com o mesmo tipo de estrutura de Fernandinho, a realidade ainda é de desamparo. São quase 6 anos após o rompimento em Mariana e, pela terceira vez, a Fundação Renova não cumpriu os prazos estabelecidos para a entrega das casas dos moradores do distrito de Bento Rodrigues, que foi soterrado pelo rompimento da barragem de rejeitos sobre o rio Doce em 2015. (confira a matéria na página 16 da edição 88 da Revista Manuelzão sobre o caso).

A tragédia se repetiu em Brumadinho e alarmes falsos, treinamentos de evacuação e a obrigação de abandonarem seus lares assombraram diversas comunidades após o rompimento. Essa realidade emerge como uma macabra manobra de desvalorização imobiliária para aumentar áreas de exploração e facilitar obras de estrutura que beneficiam a mineradora. O Manuelzão publicou uma entrevista com o pesquisador de conflitos socioambientais no Quadrilátero Ferrífero Daniel Neri sobre os mecanismos de “terrorismo de barragem” e “despossessão” utilizados pela Vale em Barão de Cocais. Duas semanas após o rompimento da B1, 500 pessoas tiveram que sair às pressas de suas casas nos arredores da Mina Gongo Soco para viverem de aluguel até então.

Um balanço da Vale logo após o rompimento de Brumadinho apontou que ao menos 679 pessoas estavam desabrigadas nas cidades de Barão de Cocais, Nova Lima, Ouro Preto e no distrito de Macacos por causa do risco em outras barragens da empresa.

Muralha em Itabirito

Vale finaliza muro de contenção de 95 m de altura por 330 m de comprimento. Divulgação/Vale.

A Vale também anunciou o fim das obras do muro de contenção na Mina Fábrica, localizada entre Ouro Preto e Itabirito, previsto para conter os rejeitos de Forquilhas I, II, III, IV e Grupo.  A estrutura de contenção a jusante tem 95 metros de altura e 330 metros de comprimento. A mega construção está localizada na região do Ribeirão Mata Porcos, a 11 quilômetros do complexo de barragens.

Forquilha III faz parte das três barragens no nível 3 de segurança em Minas Gerais, junto com ela estão a B3/B4 em São Sebastião das Águas Claras (Macacos) e a Sul Superior em Barão de Cocais. Forquilha IV está em nível 1 de emergência e Forquilhas I, II e Grupo estão em nível 2. A previsão é que a descaracterização das cinco barragens seja iniciada com a conclusão da obra.

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