21/08/2024
Juiz federal acatou denúncia de que mineradoras veicularam publicidade “fantasiosa”, no valor de R$17 milhões, sobre reparação do rompimento da barragem em Mariana em 2015
A Justiça Federal condenou a Samarco e suas controladoras Vale e BHP Billiton por irregularidades em uma campanha publicitária baseada em informações falsas, dúbias ou incompletas sobre as medidas de reparação do rompimento da barragem do Fundão, ocorrido em Mariana, em 2015, que despejou mais de 40 milhões de m³ de rejeito na Bacia Hidrográfica do Rio Doce. A decisão, que determinou o pagamento pelas mineradoras de R$ 56 milhões por danos morais e materiais, também se estende à Fundação Renova, entidade criada para gerir as ações de reparação. Ainda cabe recurso.
A ação civil pública (ACP) foi ajuizada em 2021 pelos ministérios públicos Federal (MPF) e de Minas Gerais (MPMG) e pelas defensorias públicas da União (DPU), do Estado de Minas Gerais (DPMG) e do Estado do Espírito Santo (DPES). Os órgãos apontam que a Renova veiculou material publicitário que, intencionalmente, desinformou sobre temas cruciais como a toxicidade dos rejeitos, a qualidade do ambiente aquático e a recuperação de nascentes, além de questões ligadas à indenização e ao reassentamento das famílias que perderam suas casas para a lama.
A ação elenca uma série de estudos científicos, perícias e trabalhos de campo realizados por especialistas que demonstram o contrário do que é alardeado pelos materiais divulgados pela Fundação Renova. Na Revista Manuelzão 92, escrevemos sobre as análises da consultoria Lactec, que estima que demorará mais de 160 anos para a Bacia do Rio Doce ficar livre dos rejeito despejado na calha do rio. Leia a matéria “Sete Anos do Crime que Durará um Século”, nas páginas 16, 17 e 18.
De acordo com a denúncia, entre os dias 6 de setembro e 11 de outubro de 2020, a Renova destinou R$17,4 milhões para um único contrato publicitário que tinha como objetivo promover positivamente a entidade e as mineradoras que a mantém. Foram 861 inserções em TVs de alto alcance nacional e 756 em emissoras de rádio, além de material publicizado em veículos impressos.
Ainda de acordo com a ACP, as peças publicitárias não eram direcionadas aos atingidos e sim a investidores e a sociedade em geral. Os valores pagos “adquirem especial relevância quando se constata que eles foram gastos em detrimento de diversos programas cuja execução é a única razão da existência da Renova. Prova disso é que os R$ 17,4 milhões gastos com a campanha são superiores ao valor individualmente gasto em 13 dos 42 programas previstos no acordo que criou a entidade”.
Este valor, levando em consideração os Custos Unitários Básicos de Construção (CUB/m²), poderia ser direcionado para a construção de 146 casas de dois quartos ou 80 casas de três quartos para a população atingida. Quase nove anos após o rompimento que vitimou 19 pessoas e contaminou a bacia do Rio Doce até o mar, nem mesmo o reassentamento coletivo dos distritos que foram varridos do mapa pela lama foi finalizado.
A sentença da 1ª instância da Justiça Federal foi assinada pelo juiz Vinicius Cobucci, em 22 de julho. Além do pagamento do valor em dinheiro por danos materiais e morais, Cobucci determinou que as mineradoras e a Fundação Renova devem veicular uma contrapropaganda com novas peças que esclareçam os tópicos presentes nas publicidades considerados incorretos, inverídicos ou imprecisos.
O juiz federal considerou que as peças veiculadas pela entidade tentam romantizar a reparação, são destinadas à autopromoção e relativizam o sofrimento dos atingidos. Na sua avaliação, existiu “uma verdadeira campanha de desinformação, com o intuito de minimizar o impacto do rompimento da barragem”. A postura das rés foi considerada imoral e ilegal.
Procurada pela Agência Brasil, a Fundação Renova afirmou que apresentará recurso contra a decisão. A Samarco, por sua vez, anunciou que se manifestará apenas nos autos do processo. Vale e BHP Billiton não quiseram se posicionar.
Longe de concluir a reparação dos rompimentos em Mariana e Brumadinho, respectivamente em 2015 e 2019, a Vale atualmente se movimenta para instalar o Projeto Apolo, um gigantesco empreendimento a poucos metros do Parque Nacional da Serra do Gandarela, que prevê uma cava de sete quilômetros de extensão.
A Serra do Gandarela, borda leste do Quadrilátero Ferrífero-Aquífero, se estende por oito municípios — Caeté, Itabirito, Mariana, Nova Lima Ouro Preto, Raposos, Rio Acima e Santa Bárbara — e foi tornada parque nacional em 2014 por sua relevância hídrica e de reserva da biodiversidade. Contudo, sua área mais significativa ficou de fora da unidade de conservação, por pressão da mineradora.
Nos últimos meses, a Vale vem apostando em uma campanha maciça em veículos de mídia e redes sociais minimizando os impactos que serão causados pelo empreendimento.
Maria Teresa Corujo, a Teca, ambientalista integrante do movimento pela preservação da Serra do Gandarela, argumenta que a história se repete e que as campanhas da mineradora possuem “inúmeras mentiras e omissões” e que fomentam “narrativas construídas para convencer a opinião pública de que são verdades absolutas e inquestionáveis”. Para ela, essa mesma tática foi usada pela empresa nas duas audiências públicas referentes ao licenciamento do projeto realizadas em maio deste ano em Santa Bárbara e Caeté.
“Estamos divulgando isso direto”, explica Teca, “criando materiais para as redes sociais com o objetivo de contrapor as informações e apontar as contradições com base nos estudos da própria mineradora. Assim, a notícia de que a Vale está enfrentando uma condenação por disseminar informações falsas e imprecisas não nos surpreende”.
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