27/07/2021
Em meados deste mês, a equipe do projeto visitou cinco comunidades do município de Lassance para definir as localidades que receberão cisternas comunitárias
Com pouco mais de 6 mil habitantes, Lassance está localizado na região Norte de Minas Gerais, à margem da BR-496, que conecta as cidades de Corinto e Pirapora. Seu território abriga duas importantes bacias hidrográficas: a do rio das Velhas e a do rio São Francisco. Apesar da abundância de água, visível no leito do Velhas, que passa próximo do centro do município, a contaminação e a poluição impedem que os moradores aproveitem o rio de forma segura, tanto em sua área urbana quanto em comunidades rurais.
Tal fato, somado ao clima seco, a forte incidência solar e a longos períodos de estiagem, faz com que a população de Lassance conviva diariamente com a insegurança hídrica, dependendo do uso de poços artesianos e caminhões pipas para terem acesso à água. Com a vazão desses poços se reduzindo anualmente, além da dependência de energia para utilização da bomba que puxa a água – que também pode queimar -, outras alternativas para acumular água no território são necessárias.
O Manuelzão, diante desse cenário, escolheu cinco comunidades de Lassance, Quilombo Tira Barro, Morada Nova, Santa Maria, Boqueirão e Brejo, para implementar uma nova iniciativa para garantir o direito fundamental do acesso à água: o projeto Cultivando Águas. A ideia é construir, em cada comunidade, uma cisterna de uso coletivo, com a capacidade de armazenar 52 mil litros de água da chuva, captada através de um sistema de calhas instalado em um telhado.
Nos dias 17 e 18 deste mês, a equipe do Cultivando Águas realizou sua segunda visita a campo em Lassance, para dar o retorno às comunidades escolhidas pelo projeto, definir onde serão construídas as cisternas em cada território e aprofundar os processos de mobilização e comunicação com os moradores e moradoras.
A primeira visita foi realizada em abril, quando a equipe ainda identificava os territórios que receberiam as cisternas. Entre os critérios da escolha está o potencial para que a tecnologia das cisternas fosse replicada na região, em conjunto com outros processos coletivos.
Desde antes do surgimento do Manuelzão, há 24 anos, os idealizadores do projeto, os professores da Faculdade de Medicina da UFMG Apolo Lisboa, Marcus Vinícius Polignano e Antônio Leite, atuavam na região em atividades da disciplina do internato rural do Departamento de Medicina Coletiva. Com a criação do projeto, a relação se estreitou e a situação do rio das Velhas no local passou a ser considerada um importante indicador da saúde da bacia, que se junta a do rio São Francisco nos municípios vizinhos de Várzea da Palma e Pirapora.
Ao longo de sua trajetória, o Projeto Manuelzão tem defendido o meio ambiente e a saúde dos rios através de iniciativas de revitalização, biomonitoramento, educação ambiental, entre outras diversas frentes de ação. Essa luta, sempre partiu da ideia de que a saúde deve ser pensada de forma coletiva, multidisciplinar e que está diretamente ligada à produção de ambientes saudáveis.
O Cultivando Águas traz uma nova frente de ação. O contexto de emergência hídrica exige um olhar mais cuidadoso com a água da chuva, que sempre fez parte do sistema de uma bacia hidrográfica. Mesmo lugares que antes tinham um ciclo de água mais sustentado, agora estão precisando aprender a lidar com as consequências das crises ambientais e climáticas.
Foi observando experiências e aprendizados de outras realidades que o Manuelzão idealizou o Cultivando Águas. Os projetos da Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA), que reúne organizações de diversos estados que compõem o semiárido, confirmam a potência de transformação que a implementação de cisternas têm. Ao longo das últimas décadas, através de ações como o Programa 1 Milhão de Cisternas (P1MC), a ASA continua construindo um legado de extrema força, que nos inspira e ensina.
Para parte da equipe do Cultivando Águas, a segunda ida a campo foi a primeira viagem com o Projeto Manuelzão. Nos carros, duas gerações distintas conviviam lado a lado: os estagiários, que percorriam pela primeira vez aquelas estradas entre Belo Horizonte e Lassance e os motoristas, Gilson e Joel, que mais uma vez guiavam estudantes para o campo, assim como fizeram ao longo dos mais de 20 anos de Projeto Manuelzão.
Acompanhando a expedição no rio das Velhas em 2003, na qual integrantes do Manuelzão percorreram de caiaque toda a extensão da bacia, os motoristas também trilharam o Velhas de ponta à ponta, buscando as margens do rio para dar suporte aos caiaqueiros. Na visita a campo deste mês, as histórias de uma vida de projeto eram compartilhadas pouco a pouco. “Virando à esquerda ali em Corinto, você chega em Andrequicé, cidade em que viveu Manuel Nardi, inspiração para o personagem Manuelzão”, disse Gilson.
O Projeto Manuelzão segue, mais uma vez, o caminho do rio das Velhas, agora com um novo projeto, uma nova proposta. O caminho sempre se renova e é isso que o torna vivo, assim como o rio.
Em um próximo texto falaremos das visitas a Quilombo Tira Barro, Morada Nova, Santa Maria, Boqueirão e Brejo e da troca de experiências com as comunidades.