Serra da Moeda recebe abraço simbólico no Dia da InconfidênciaProjeto Manuelzão

Serra da Moeda recebe abraço simbólico no Dia da Inconfidência

17/04/2024

Em consonância com a proteção da Serra, edição deste ano traz o tema “Águas subterrâneas, invisíveis, mas essenciais”

A ONG Abrace a Serra da Moeda promove neste domingo, 21, Dia da Inconfidência, às 10h, mais uma edição de seu abraço simbólico no Topo do Mundo, na divisa entre Brumadinho e Itabirito. Há 17 anos o evento busca alertar governantes e população sobre a relevância da proteção dos recursos hídricos locais, especialmente diante das ameaças frequentes de mineradoras e outros empreendimentos à integridade desses bens vitais. Cerca de 2 mil pessoas são esperadas para o tradicional cordão humano no ponto mais alto da serra, em forma de abraço.

A concentração tem início às 10h, na rampa de voo livre do mirante Topo do Mundo, em Brumadinho, e o abraço está programado para às 12h.

O Abrace a Serra da Moeda foi iniciado em 2008 com o objetivo de impedir a reativação da Mina Serrinha, situada na altura de Brumadinho, propriedade da empresa Ferrous à época. Com a instalação de novos empreendimentos na vertente leste da Serra da Moeda, a ONG intensificou suas atividades. Atualmente, ela apresenta e acompanha várias ações civis contra esses projetos e em defesa das nascentes da região, vitais para a disponibilidade hídrica das bacias dos rios Paraopeba e das Velhas, que abastecem as populações de, entre muitas outras localidades, Brumadinho e Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH).

Cleverson Vidigal, integrante da ONG, explica que o evento, além de conscientizar representantes sobre a necessidade de conservar os recursos hídricos e ambientais da Serra da Moeda, procura também engajar as comunidades locais na luta pela preservação, uma causa de interesse coletivo. Para este ano estão confirmados nove ônibus saindo de Brumadinho e são esperados visitantes e autoridades de toda a região.

A Serra da Moeda estende-se por 70 quilômetros e engloba porções de Itabirito, Ouro Preto, Belo Vale, Brumadinho, Nova Lima, além do município de mesmo nome. Ela é um divisor natural entre as bacias do Velhas e do Paraopeba. Para assegurar a proteção das porções ainda não degradadas, foi criado em 2010 o Monumento Natural Estadual (Monae) da Serra da Moeda, com 2.372 hectares, na divisa entre Itabirito e Moeda.

Água é o foco

A edição deste ano possui o tema “Águas subterrâneas, invisíveis, mas essenciais” e tem como objetivo compartilhar informações e ampliar as discussões sobre o trabalho silencioso das serras na recarga dos aquíferos, que reflete diretamente no volume das águas superficiais em cursos e reservatórios d’água.

“Um dos reservatórios subterrâneos de água doce mais importantes de Minas e que está localizado na Serra da Moeda, o Cauê, abastece os rios Paraopeba e das Velhas, duas grandes bacias responsáveis por suprir toda a Região Metropolitana de Belo Horizonte. Várias mineradoras vêm fazendo o rebaixamento deste aquífero, entre elas Vallourec, Vale, CSN, Gerdau e Ferro+”, alerta o presidente da ONG e ambientalista Ênio Araújo.

“Para extrair o minério, as empresas mineradoras retiram água do solo para secar o terreno. Só que se ao efetuarem o rebaixamento, o nível do aquífero estiver abaixo da altura de onde estão as nascentes, a tendência é que elas sequem, o que já aconteceu com as comunidades de Suzano e Campinho, em Brumadinho. Os moradores desta última, inclusive, recebem, desde 2015, 40 mil litros diários de água, via caminhões-pipa da Coca-Cola, para abastecerem suas casas”, completou.

Outra pauta do ato do dia 21 trata-se da implementação do plano de manejo do Monumento Natural Municipal da Mãe D’Água, estabelecido em 2012 e reconhecido por sua significativa importância ambiental para o município. A unidade de conservação abrange aproximadamente 797 hectares, que envolvem dezenas de nascentes, incluindo a Mãe D’água, responsável pelo abastecimento de cerca de 10 mil famílias.

Sobre ele, Cleverson afirmou: “A implantação [do plano de manejo] estabelecerá ainda a chamada zona de amortecimento (ZA) que, ao contrário do que muitos pensam, não vai impedir ou congelar o desenvolvimento econômico na região, mas sim servirá para organizar esse crescimento, considerando as potencialidades do local, que, no nosso caso, são o turismo e a agricultura familiar”. Disse também que a decisão está nas mãos do Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente [Codema], órgão ligado à Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Brumadinho.

A Mina da Serrinha, desativada há mais de 15 anos, também será uma das pautas. A licença minerária da área foi adquirida pela Vale em 2018 por cerca de US$ 550 milhões e, desde então, a empresa vem realizando uma série de intervenções, incluindo a adequação das estradas e das pilhas de estéril (rejeito) no local, além do descomissionamento da barragem de rejeitos como forma de “reparação ambiental”.

De acordo com Ronald Fleischer, geólogo da ONG Abrace a Serra da Moeda, a área onde se localiza a Serrinha é de grande importância hídrica, espeleológica e ambiental, protegida por diversos instrumentos legais, incluindo o Monumento Natural da Mãe D’água. “A atividade mineradora nesta localidade causaria um rebaixamento do lençol freático, levando ao esgotamento da Mãe D’água e de outras nascentes importantes da região. Isso impactaria diretamente as cerca de 10 mil famílias das comunidades de Córrego Ferreira, Palhano, Recanto da Serra, Águas Claras, Jardins e Retiro do Chalé”, enfatiza Fleischer.

Estudos técnicos adicionais indicam que a retomada das atividades de mineração na área resultaria em degradação da paisagem, instabilidade nas encostas da Serra, poluição sonora, crescimento urbano descontrolado, emissão de poeira e riscos à sobrevivência de espécies de flora endêmicas e de fauna, que já se encontram em risco de extinção.

Histórico de lutas

A Serra da Moeda sofre com ameaças diversas nos últimos anos. A fábrica da Coca-Cola FEMSA em Itabirito, por exemplo, possui histórico de secar nascentes da Serra da Moeda em favorecimento de sua produção. Em reportagem ao G1, o biólogo Francisco Mourão, da Associação Mineira de Defesa do Ambiente (Amda), afirmou que, desde o início das operações da fábrica, diversas comunidades, especialmente nas áreas de Brumadinho e Moeda, enfrentaram a redução dos seus lençois freáticos.

Além disso, o Manuelzão cobre as atividades da Gerdau, que instalou-se na área em 2006 e desde 2020 vem tentando emplacar na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) projetos de lei que visam favorecer a expansão de sua Mina Várzea de Lopes. A empresa tenta abocanhar 12,8 hectares de topo de morro no Monumento Natural da Serra da Moeda, em troca da anexação de 75,46 hectares, pertencentes à siderúrgica. Contudo, a permuta é de áreas de extrema relevância hídrica e de biodiversidade para as bacias do Paraopeba e do Velhas por áreas de baixa relevância ambiental.

Na primeira tentativa, o projeto 1.822/2020, de autoria do deputado Antônio Carlos Arantes (PL), foi retirado após repercussão popular negativa.

Um ano mais tarde, foi a vez do deputado Thiago Cota (PDT) apresentar novamente a proposta. Seu Projeto de Lei 3.300/2021 reintroduziu a mesma ideia, passando por três comissões da ALMG em menos de 24 horas, incluindo uma reunião que começou às 23h45. No início de 2022, o parlamentar foi além: tentou incorporar a proposta a um PL sobre a apreensão de veículos durante a pandemia. A manobra, conhecida como “jabuti”, foi rapidamente identificada e, após a repercussão negativa, o deputado decidiu retirar o projeto de tramitação.

Ano passado a ideia veio à tona novamente com o PL1.185/2023, de autoria do deputado estadual Noraldino Júnior (PSB), propondo uma alteração muito parecida com os projetos anteriores. A diferença é que na última proposta não existe nenhuma área a ser desafetada. Apesar de parecer benéfico, dado o histórico negativo relacionado ao tema, nada impede que o pedido de desafetação dessa área possa vir futuramente.

 

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