30/10/2024
População do distrito de Brumal, que fica ao lado da estrutura e onde moram 2 mil pessoas, viveu momentos de terror; esta é a sexta vez que sirenes soam indevidamente
Sirenes de emergência do complexo Córrego do Sítio II, da AngloGold Ashanti, em Santa Bárbara, foram acionadas por engano nesta terça-feira, 29, levando pânico aos moradores da cidade e da vizinha Barão de Cocais. No distrito de Brumal, que fica ao lado do complexo e onde moram 2 mil pessoas, moradores seguiram o plano de evacuação para cenários de rompimento de barragem. Viaturas da Polícia Militar, equipes da Defesa Civil e ambulâncias foram mobilizadas para prestar atendimento a pessoas que entraram em estado de choque.
A produção em Córrego do Sítio II está temporariamente suspensa desde agosto do ano passado em função de “resultados operacionais negativos”. Há no local a barragem de rejeitos CdS II, que está em processo de descaracterização, e duas barragens e um dique de sedimentos. Todas as estruturas são listadas atualmente como estáveis no sistema da Agência Nacional de Mineração (ANM), ainda que a barragem CdS II tenha um histórico de trincas e instabilidade, tendo passado um bom tempo em nível 1 de emergência (o nível mais baixo em uma escala que vai até 3).
A mineradora afirmou em comunicado para a população que as barragens estão “seguras e estáveis”.
De acordo com o Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), há diversos relatos de idosos que se machucaram e crianças em pânico devido ao alarme inesperado. “As comunidades vivem com o medo constante de que a barragem possa romper, agravado pela proximidade das residências, trincas na estrutura e frequentes acionamentos errôneos das sirenes”, escreveu o MAM em nota. Vídeos que circulam nas redes sociais registraram o clima de desespero, com dezenas de crianças chorando sendo retiradas às pressas de escolas.
O alerta indevido desta terça não é um caso isolado. Como mostrou o Brasil de Fato MG, esta é a sexta vez desde 2019 que as sirenes do complexo Córrego do Sítio II soaram.
O acionamento indevido das sirenes de emergência não só afeta a saúde mental dos moradores como também é motivo de preocupação para as autoridades. Um estudo recente da Fiocruz, encomendado pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), identificou o impacto psicológico desse tipo de ocorrência nas comunidades afetadas.
Em janeiro de 2021, as sirenes também foram ativadas por engano duas vezes no mesmo dia, com poucas horas de diferença, em um dia chuvoso, levando pânico ao distrito de Brumal. À época, essa já era a quarta ocorrência do tipo. Em 2022, veio mais um acionamento indevido.
Duas ações judiciais em andamento buscam a reparação dos danos sofridos pelos moradores e a responsabilização da empresa. Em uma das ações, o MPMG cobra uma indenização de R$ 60 milhões às comunidades, por danos coletivos e sociais.
O MPMG já havia multado a AngloGold Ashanti em 2023 devido a outros acionamentos errôneos e, agora, instaurou um novo procedimento para investigar o recente acionamento. A decisão judicial previa uma multa de R$ 500 mil para cada acionamento indevido. No início deste mês, o MPMG também entrou com uma ação judicial contra a empresa, solicitando a implementação de medidas reparadoras e de proteção aos direitos humanos e ao bem-estar das comunidades afetadas.
Desde 2019, a população de Santa Bárbara vem manifestando crescente apreensão em relação à presença da AngloGold Ashanti na região. Em uma reunião realizada na associação comercial da cidade, moradores denunciaram problemas relacionados à operação da mina. Durante o encontro, um representante da empresa revelou o uso de compostos químicos como arsênico, cianeto, chumbo e hidrocarbonetos na barragem. Para garantir a segurança da estrutura, a água da barragem é continuamente drenada e liberada no Rio Conceição, que abastece Santa Bárbara.
Relatos de moradores indicam aumento no uso de medicamentos para dormir e antidepressivos, reflexo do temor de um eventual rompimento da barragem. O ruído constante da mina também é uma queixa frequente dos residentes, que sentem que sua tranquilidade foi comprometida. Além disso, há suspeitas de contaminação da água, o que, segundo a população, estaria relacionado ao aumento de problemas renais e casos de câncer.
Ao final do encontro, moradores lamentaram a falta de respostas concretas da empresa e expressaram o sentimento de que a AngloGold Ashanti “enrola a população” ao ignorar as reivindicações apresentadas.
A multinacional AngloGold, uma das maiores produtoras de ouro do mundo, atua no Brasil desde os tempos do Império. Fundada em 1834 como Saint John del Rey Mining Company, em Nova Lima, a empresa opera em 10 países, com unidades em Minas Gerais e Goiás, que representam cerca de 11% da produção global do grupo. Em 2004, a AngloGold fundiu-se à Ashanti Goldfields Corporation, originando a empresa atual.
O complexo Córrego do Sítio, em Santa Bárbara, teve suas operações iniciadas em 1987 e inclui duas minas subterrâneas, uma mina a céu aberto e duas plantas de processamento de ouro.