Após denúncia, prefeito revoga anuência à mineradora em Antônio PereiraProjeto Manuelzão

Após denúncia do Manuelzão, prefeito de Ouro Preto revoga anuência à mineradora em Antônio Pereira

28/05/2024

Chefe municipal nega ter concedido autorização, ainda que suas assinaturas digitais apareçam nos documentos; prefeitura ainda não explicou como isso ocorreu

Entrada da Gruta de Nossa Senhora da Lapa. Foto: Instituto Guaicuy.

A assinatura pelo prefeito Angelo Oswaldo (PV) de uma anuência à atividade da mineradora Leão de Ferro em Antônio Pereira, distrito de Ouro Preto, gerou uma série de questionamentos nos últimos meses. Datada de 26 de dezembro de 2022, a declaração de conformidade autorizava, por parte da prefeitura, a exploração de uma área perto da Gruta de Nossa Senhora da Lapa, local de peregrinação cristã descoberto há 300 anos. Embora a declaração tenha sido revogada um ano depois, o prefeito alega nunca a ter assinado, o que levanta suspeitas sobre a assinatura digital presente no documento.

O caso ganhou repercussão pública após uma entrevista do professor Daniel Neri, do Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG), à Rádio América, em 27 de fevereiro. Nela, o professor, que é membro do Conselho Municipal de Desenvolvimento Ambiental (Codema) de Ouro Preto, acusou o prefeito Angelo Oswaldo e o secretário de Meio Ambiente Chiquinho de Assis (PV) de omitirem da população o andamento do processo de licenciamento da mineradora. Representantes do executivo municipal, a despeito da falta de respaldo, prontamente tentaram desacreditar a fala de Neri.

A Leão de Ferro obteve da Vale, em 2019, o título minerário (que pode ser transferido entre mineradoras) da área que pretende explorar próxima à Gruta da Lapa. No ano seguinte, a empresa deu entrada no licenciamento ambiental junto à Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Semad), processo que foi depois arquivado e reaberto em 2022. O projeto é extrair 750 mil toneladas de minério de ferro por ano em lavra a céu aberto, instalar uma unidade de tratamento de minerais e dispor o rejeito restante em pilhas.

No âmbito do licenciamento ambiental, é requerido da empresa solicitante, entre outras anuências e estudos, uma declaração de conformidade dos municípios que serão impactados pela possível instalação do empreendimento.

A emissão da declaração municipal de conformidade depende da análise de um grupo técnico da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMMA). O parecer técnico deve então ser votado pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural e Natural (Compatri) e pelo Conselho Municipal de Política Urbana (Compurb). 

Ignorando a prescrição da legislação municipal, no entanto, o prefeito Angelo Oswaldo concedeu a anuência de forma unilateral, em 26 de dezembro de 2022.

Além disso, em 9 de novembro de 2023, o prefeito também assinou um termo de anuência ignorando o conselho consultivo do Monumento Natural Municipal Gruta Nossa Senhora da Lapa que, por estar na área de influência do projeto, deveria ser informado e ouvido no processo.

Certidão de conformidade assinada digitalmente pelo prefeito em 26 de dezembro de 2022. Reprodução.

Termo de anuência do Monumento Natural Gruta da Lapa assinado digitalmente pelo prefeito. Reprodução.

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Questionamentos sobre autorizações

Desde julho de 2023, algumas lideranças comunitárias sabiam do interesse da Leão de Ferro em construir a mina na região. Em agosto, Rodrigo Badaró, analista social da Superintendência Regional de Meio Ambiente (Supram) e responsável pelo licenciamento, realizou uma visita técnica ao local acompanhado de alguns moradores. 

Na ocasião, lideranças se mostraram contrárias à instalação do empreendimento no distrito, já profundamente impactado pela descaracterização da barragem Doutor, do Complexo Timbopeba, da Vale, que resultou na retirada de centenas de pessoas da mancha de inundação da estrutura e forçou as pessoas que ficaram a conviver com impactos de toda ordem, de tempestades de poeira à desvalorização de propriedades, da quebra de vínculos comunitários ao adoecimento físico e psicológico.

O Projeto Manuelzão, por meio do Instituto Guaicuy e em conjunto com associações de moradores locais, alertou o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), em outubro do ano passado, sobre irregularidades na condução do processo de licenciamento. É apontado, em uma notícia de fato, a não inclusão da comunidade no processo: não houve, por exemplo, nenhuma solicitação de audiência pública ao órgão licenciador e, devido à não divulgação da anuência perante os órgãos competentes, o prazo para a realização acabou prescrevendo sem que os cidadãos fossem devidamente informados.

Além disso, apesar de a Leão de Ferro pretender instalar o empreendimento ao lado do Monumento Natural da Gruta da Lapa, dentro do perímetro urbano, o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) apresentado pela empresa não fazia qualquer menção aos impactos diretos e à zona de amortecimento da unidade de conservação e santuário. 

Na notícia de fato apresentada, o Projeto Manuelzão e as associações de moradores solicitaram a realização de audiência pública para apresentar o EIA e que a Prefeitura de Ouro Preto promova um debate amplo e conjunto envolvendo as secretarias e conselhos municipais competentes — a SMMA; a Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano, Cultura e Turismo; o Compatri; o Compurb e o Conselho Municipal de Desenvolvimento Ambiental (Codema). A audiência não foi realizada até a presente data.

Desdobramentos

Até aquele momento, outubro de 2023, o Projeto Manuelzão e os moradores não sabiam das anuências concedidas de forma irregular pela Prefeitura de Ouro Preto. Após oficiar a Supram, superintendência estadual de meio ambiente responsável pela análise do licenciamento ambiental, o MPMG recebeu do órgão justificativas de que o prazo para solicitação da audiência pública havia expirado e que o impacto à Gruta da Lapa e à outra cavidades no entorno do empreendimento estava em análise e, além disso, que as anuências do Executivo municipal — certidão de conformidade e termo de anuência da unidade de conservação — foram apresentadas. 

Aceitando as justificativas da Supram, o promotor de Justiça Fernando Mota Machado Gomes arquivou a notícia de fato em 2 de fevereiro deste ano. Ao analisar as informações apresentadas, contudo, veio a surpresa de que as anuências assinadas pelo prefeito Angelo Oswaldo foram concedidas de forma unilateral. Em 19 de fevereiro, o Projeto Manuelzão, por meio do Instituto Guaicuy, apresentou um recurso apontando a série de irregularidades. Dez dias depois, dessa vez em documento assinado à mão pelo prefeito, as anuências foram revogadas.

Vista aérea de Antônio Pereira; em primeiro plano está a barragem Doutor, da Vale. Foto: Felipe Chimicatti/Instituto Guaicuy.

A prefeitura justificou que, após apuração realizada pelo procurador-geral do município, “apesar de serem seguidos as normas administrativas prevista na Portaria 003/2022, restou evidenciado pela Comunicação Interna 15193/2023 a existência de dúvida quanto a [sic] localização do empreendimento, bem como se a área de influência afetaria o Monumento Natural Municipal Gruta da Nossa Senhora da Lapa”.

O posicionamento da prefeitura permanece nebuloso. A comunicação interna assinada pelo secretário de Meio Ambiente, Chiquinho de Assis, em 26 de outubro, cobra ao procurador-geral do município uma apuração sobre possíveis irregularidades no processo. Resta dúvida, no entanto, sobre porque as anuências foram inicialmente assinadas.

O recurso apresentado Núcleo de Direito Ambiental do Projeto Manuelzão contra o arquivamento da notícia de fato foi acatado pelo MPMG. Nele, os advogados evidenciam que tanto a certidão de conformidade foi emitida sem passar pela análise das secretarias e pela deliberação dos conselhos competentes quanto a anuência da unidade de conservação da Gruta da Lapa foi dada sem a escuta dos membros de seu conselho consultivo, entre eles a Arquidiocese de Mariana e a Associação de Moradores de Antônio Pereira.

Requerendo a ação do MPMG, os advogados argumentam que a Supram não observou a ilegitimidade das anuências concedidas pela Prefeitura de Ouro Preto, o que pode ter decorrido do desconhecimento do órgão do que prescreve a legislação municipal. Eles também solicitam esclarecimentos do prefeito Angelo Oswaldo quanto à assinatura das anuências e cobram uma investigação de todos os atos de improbidade e os atos administrativos, sejam eles intencionais ou por negligência, cometidos por agentes públicos e políticos.

Resposta do Prefeito

Em um entrevista lacônica concedida em 3 de março ao Jornal Voz Ativa, o prefeito ignorou a existência das assinaturas digitais presentes nos dois documentos oficiais e “declarou que não foi concedida autorização para atividade minerária dentro da área do Parque da Lapa de Antônio Pereira, monumento natural e santuário religioso”. Sem explicar como, ele alega que as assinaturas foram falsificadas.

Também contornando a materialidade dos fatos, afirmou que “em razão de polêmica criada por opiniões equivocadas, o prefeito suspendeu a tramitação, na administração municipal, de projeto da mineradora Leão de Ferro para que o mesmo seja analisado pelo Conselho Consultivo do Parque da Lapa”. E acrescentou que “a Prefeitura de Ouro Preto jamais concederia anuência a uma iniciativa prejudicial ao Parque da Lapa (…)”. A nota pode ser lida na íntegra ao final do texto. 

O Projeto Manuelzão entrou em contato com o gabinete do prefeito Ângelo Oswaldo para saber como suas assinaturas digitais apareceram nas anuências indevidas, se existe uma investigação em curso a respeito dos ocorridos e também a razão das revogações. Até o fechamento desta matéria, não obtivemos resposta. O espaço segue aberto para manifestação.

População se posiciona

Ana Carla Cota, uma das lideranças comunitárias do Pereira, classificou como “lamentável” o posicionamento do prefeito. “Infelizmente ele sequer cita os impactos que irão causar na comunidade no entorno desta mineração, inviabilizando a vida dos moradores. Só falou em proteger o Santuário. Dá nitidamente pra ver um discurso sem nenhum pingo de conhecimento dos impactos reais que essa mineração vai causar na comunidade, nas casas, com poeira, falta de água, trânsito, população flutuante e um monte de mazelas”. 

Ela também evidenciou o desolador quadro que as pessoas têm enfrentado no distrito. “Ângelo Oswaldo e a comunidade? Nós somos seres humanos e temos direito a viver em um meio ambiente equilibrado. Cadê sua preocupação com os moradores do Pereira que serão fortemente impactados? Você só falou do Santuário como se a comunidade fosse invisível a seus olhos, sem dar importância ao povo que já sofre com impactos da Vale e Samarco. Antônio Pereira está colapsando! Não cabe nenhuma mineração nova no território”. 

A população já havia deixado claro sua contrariedade ao novo empreendimento. Em outubro do ano passado, uma reunião popular foi realizada com representantes da mineradora Leão de Ferro, da Agrocity Mineração e da Nativa Consultoria Ambiental para tratar do Diagnóstico Ambiental Sócio-participativo, etapa do processo de licenciamento ambiental que deveria ocorrer após a obtenção das anuências municipais e a realização da audiência pública de apresentação do empreendimento. 

Na reunião, diversos pontos apresentados pela Leão de Ferro e demais responsáveis pelo projeto foram rebatidos pelos moradores. 

Na análise referente ao impacto da poeira, a companhia submeteu à Supram um estudo sobre os padrões de vento na região, argumentando que as partículas de poeira não alcançariam a Vila Samarco. Esse argumento provocou revolta entre os habitantes, que já enfrentam problemas com as nuvens de poeira provenientes das operações da Vale em Timbopeba e da descaracterização da barragem Doutor. 

Diante disso, a Supram exigiu a realização de novos estudos para avaliar melhor a situação da qualidade do ar.

Prevê-se que a operação da mina seja realizada por meio de desmonte hidráulico, utilizando água extraída de um poço artesiano. A comunidade local expressa preocupações sobre a possibilidade de esse poço artesiano causar uma diminuição no nível do lençol freático, o que poderia afetar a disponibilidade de água na Gruta da Lapa. Essa gruta abriga um local de gotejamento que formou uma imagem venerada como Nossa Senhora, tornando-se um destino de peregrinação. 

Além disso, os moradores destacam que a Vila Samarco também depende de poços artesianos para seu abastecimento de água e temem que o volume de água requerido para as atividades de mineração possa comprometer o fornecimento de água para a vila.

Representantes da secretaria e do conselho municipal de Meio Ambiente de Ouro Preto não estiveram presentes na reunião. 

A mineradora

A Leão de Ferro pode ser considerada uma novata no ramo: foi criada em 2014 e três anos depois passou para o controle dos atuais sócios. A licença minerária da área visada para o projeto pertencia originalmente à Vale e foi repassada à Leão de Ferro em 2019. O repasse chama a atenção. O professor Daniel Neri questionou o empreendimento e a possível influência da Vale sobre a empresa menor. “Como uma empresa relativamente nova, com capital social baixo, cerca de R$ 30 mil, seria capaz de operar uma mina que tem estimativa de retirar 300 mil toneladas de ferro por ano?” 

Não encontramos registros de explorações ativas da Leão de Ferro.

OUTRO LADO

Ouça o pronunciamento do prefeito Angelo Oswaldo em 3 de março ao Jornal Voz Ativa:

 

 

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