Após um mês, governo de Minas não respondeu Iphan sobre obra da Heineken ao lado de sítio arqueológicoProjeto Manuelzão

Após um mês, governo de Minas não respondeu Iphan sobre obra da Heineken ao lado de sítio arqueológico

19/10/2021

No sítio em Pedro Leopoldo, foi encontrada Luzia, fóssil mais antigo da América do Sul; segundo o Iphan obra apresenta graves irregularidades no processo licenciamento

A possível instalação de uma fábrica da Heineken coloca em grave risco a Área de Proteção Ambiental (APA) Carste de Lagoa Santa, sítio arqueológico onde o fóssil mais antigo das Américas foi encontrado. Na última quinta-feira, 14, uma reportagem do G1 revelou que a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) não notificou o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no processo de licenciamento das obras e, questionada pelo porque não o fez, ignora há mais de um mês um ofício do Iphan.

As obras foram embargadas pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) no dia 15 de setembro. O Iphan obrigatoriamente deve ser envolvido em processos de licenciamento que envolvam bens patrimoniais e históricos tombados, como é o caso dos sítios arqueológicos da região, mas só ficou sabendo após o embargo do ICMBio. Chamada de Luzia, a mulher que viveu na região há cerca de 13 mil anos foi encontrada na década de 70, na gruta Lapa Vermelha IV, que faz parte da APA.

A instalação da fábrica pode causar danos irreparáveis à unidade de conservação de geomorfologia cárstica, caracterizada pela corrosão de rochas calcárias e complexo de grutas e sítios arqueológicos, além de rebaixar os lençóis freáticos e alterar a qualidade da água local, que é uma área de interesse hidrogeológico internacional.

O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) instaurou um inquérito civil para apurar os impactos e identificou diversas violações no processo de licenciamento. Além do completo desconhecimento por parte do Iphan, o empreendimento não tinha nem mesmo a anuência do gestor da unidade de conservação da APA Carste de Lagoa Santa, o Instituto Estadual de Florestas (IEF), que deveria se posicionar após observância do conselho consultivo da unidade.

O instituto de patrimônio enviou um ofício à Semad no dia 21 de setembro, há quase um mês, mas ainda não obteve resposta – a secretaria alega que “não teve tempo hábil” para responder. Depois de devidamente incluído no processo de licenciamento, o Iphan vai analisar todos os estudos de impacto da Heineken, fazer visitas técnicas e mapear o local.

No dia 17 de setembro, segundo o G1, funcionários do Iphan demonstram preocupação com a situação da obra. Eles reportam aos superiores que não localizaram processos no Sistema Eletrônico de Informações (SEI) e constataram que não houve aprovação do IEF. Citam também que o processo de licenciamento junto à Semad teve estudos insuficientes e em descumprimento com a área de proteção ambiental (APA CSL), como foi debatido na reunião conjunta entre o conselho da APA Carste Lagoa Santa com os subcomitês Carste e Ribeirão da Mata.

Em 2020, havia sido anunciada pelo governador Romeu Zema (Novo) uma parceria entre a cervejaria holandesa Heineken e o governo de Minas Gerais que prometia o investimento de 1,8 bilhão de reais no município de Pedro Leopoldo, com um “megaempreendimento”. Após o embargo, a Heineken conseguiu uma liminar na Justiça para retomar as obras, que estavam na fase da terraplanagem, mas mantém o empreendimento suspenso. Foram aplicadas multas que somam 83 mil reais.

Em nota técnica do ICMBio, os fiscais apontaram que uma das fontes de captação para produzir a cerveja é o subsolo, com um volume de 310 m³ por hora, o que seria suficiente para abastecer uma cidade de aproximadamente 37 mil habitantes. Com isso, a APA sofreria danos irreparáveis ao patrimônio espeleológico, além da possibilidade de comprometimento da bacia do córrego Samambaia, o que poderia afetar também a região vizinha do Parque Estadual do Sumidouro (Pesu), incluindo a lagoa do Sumidouro.

As obras podem causar rebaixamento dos lençóis freáticos, desaparecimento de algumas lagoas na região, escassez hídrica e impactos nas cavernas do Fedo, Cipó e Nei. A falta de água causada pelos impactos no sistema de drenagem poderia afetar Pedro Leopoldo, Confins, Lagoa Santa e Matozinhos.

Matéria de Mariana Lage

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