Audiência pública sobre terminal de minério em Bação divide comunidadeProjeto Manuelzão

Audiência pública sobre terminal de minério em Bação é realizada em clima de divisão da comunidade

30/04/2024

Empresa Bação Logística busca instalar empreendimento próximo ao distrito histórico de Itabirito; contrários apontam impactos aos modos de vida e ao potencial turístico

Audiência pública sobre a instalação do TFB em Bação. Foto: Enaile Almeida.

A audiência pública para discutir a instalação de um terminal de minério em São Gonçalo do Bação, realizada no último dia 19, transcorreu num clima de divergência entre os moradores. A Bação Logística tenta instalar o Terminal Ferroviário de Bação (TFB) no distrito quase tricentenário de Itabirito, a cerca de 70 quilômetros de Belo Horizonte. Não faltou tensão durante as mais de cinco horas da audiência de apresentação do projeto, realizada em Itabirito.

Estiveram presentes residentes locais, tanto favoráveis quanto contrários ao empreendimento, representantes da empresa, do governo municipal e estadual, além de outros interessados de outras cidades. O clima estava carregado, com provocações vindas especialmente daqueles que vestiam a camisa da empresa.

A audiência teve início com a manifestação dos representantes da Bação Logística, seguida da Associação Comunitária e do Grupo de Teatro de São Gonçalo do Bação, da Associação Memórias de Agulha e da União Ambientalista de Itabirito. Na segunda fase, as falas dos moradores e de técnicos contrários ao empreendimento naquela localidade evidenciaram a preocupação, sobretudo, quanto ao patrimônio imaterial e irrecuperável — o modo de vida e a saúde dos moradores.

Pelos funcionários da Bação Logística houve destaque para o trabalho que a empresa tem feito pelos moradores, promovendo benefícios como cursos de inglês e aulas de dança. Eles também aventaram a possibilidade de realizar medidas mitigadoras de impactos da instalação do terminal ferroviário.

Somos seres humanos e estamos com a nossa cultura, tranquilidade e saúde ameaçadas por grandes impactos negativos que nenhuma medida compensatória e mitigatória irá amenizar”, sintetizou Mauro Antônio de Souza, diretor do Grupo de Teatro de São Gonçalo do Bação, criado há 26 anos e reconhecido como patrimônio cultural pela Prefeitura de Itabirito.

Conheça um pouco da preciosa história de São Gonçalo do Bação, distrito fundado em 1740, e saiba o que está ameaçado de extinção.

É correto afirmar que o sentimento do público se elevou a cada fala. Em uma das manifestações, a Arquiteta e Urbanista Beatriz Ribeiro, questionou a empresa e o público. Como o empreendedor tem a coragem de afirmar que não vai interferir nos modos de vida dessas pessoas, sendo que ele já tem interferido mesmo antes da fase de instalação?” 

Ronald de Carvalho Guerra, vice-presidente do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Velhas) e vice-presidente do Instituto Guaicuy, ONG de apoio às atividades do Projeto Manuelzão, chamou a atenção para o clima de polarização provocado pela empresa. “Quando se divide o público e bate palmas pra quando uma pessoa ofende um determinado grupo e coloca faixas dividindo os lados, nós estamos dividindo todo o território e dividindo todas as possibilidades de construir algo melhor”, lamentou.

A geógrafa Márcia Rodrigues Marques, do Projeto Manuelzão, pontuou que “nós vivemos em um estado que teve o maior crescimento turístico do Brasil. Nós vivemos num país que foi apontado como o maior de potencial ecoturístico do mundo. Não dá pra fazer uma atividade que não dialoga com outro potencial, uma vez que nós estamos perdendo patrimônio natural”.

Matheus Dias Alves, analista ambiental do Projeto Manuelzão,  corrobora esse entendimento. “Como a gente vai falar de mudanças climáticas a um nível global se a gente não está tratando de fato o local, a vida das pessoas do Bação? Isso de certa forma vai atingir a saúde, e vai de fato contra o que a ONU coloca”.

Questionamentos

A audiência pública é uma das etapas do processo de licenciamento ambiental, que agora entra em nova fase. Com base nas informações apresentadas, as partes interessadas tinham cinco dias úteis para enviar requerimentos à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), o que foi feito na última sexta-feira, 26.

A Associação Comunitária de São Gonçalo do Bação protocolou questionamentos sobre o uso de recursos hídricos pela empresa, a lama e poeira que decorreriam da implantação do terminal, o nível de ruído que seria gerado, o impacto no trânsito e no turismo, entre outras questões.

O coletivo Vozes do Bação levantou questionamentos, entre outros pontos, sobre os impactos ao modo de vida, à saúde da população, ao patrimônio histórico-cultural e às estradas e vias de acesso da comunidade.

O Grupo de Teatro do Bação questionou “como a empresa Bação Logística pode garantir que o turista que chega em busca de tranquilidade, ar puro e qualidade de vida, não vai se afastar de São Gonçalo do Bação em razão da existência do Terminal de Minério? (…) Que garantia nos dão que a nossa maneira de realizar as nossas festas tradicionais não serão afetadas, afastando o público?”

Já o Núcleo de Direito Ambiental do Projeto Manuelzão  detectou várias ilegalidades jurídicas e técnicas no processo da Bação Logística. A começar pela escolha do local de realização da audiência pública que, segundo a lei de licenciamentos, deveria ter sido no local onde pretende-se instalar o empreendimento, para permitir o acesso dos maiores interessados que serão prejudicados.

Também foi apontada ilegalidade quanto à emissão da Certidão Municipal de Conformidade, concedida pela Prefeitura de Itabirito. A certidão apresentada pela empresa no licenciamento atual se refere a um processo anterior, aberto em 2019 e fechado em 2022 a pedido da Bação Logística.

Os advogados do Projeto Manuelzão argumentam que a anuência não poderia ser utilizada no atual processo de licenciamento, aberto em 2023. As evidências de diferenciação técnica entre os dois projetos são patentes. O exemplo mais claro refere-se à alteração de tamanho, que passou de 7,5 hectares utilizados para 11,5 hectares.

“É a Declaração que garante a competência do município sobre a matéria de parcelamento, uso e ocupação do solo. É este documento que garante que os dados apresentados pelo empreendimento não são desatualizados ou hipotéticos, mas reais e concretos. (…)  Logo, a obtenção de licença pelo empreendimento depende de nova emissão da Declaração Municipal de Conformidade pelo município de Itabirito”, lê-se em trecho do parecer.

Os advogados apontam que, tendo como base a ilegalidade da declaração de conformidade, todo o processo de licenciamento está afetado, inclusive a realização da audiência pública, que deve ser posterior à regularização desse ponto.

Problemas em aspectos técnicos

No âmbito técnico, o Projeto Manuelzão questiona o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (Rima, versão reduzida do EIA) apresentados pela Bação Logística. Foram 77 questões levantadas na análise dos estudos apresentados pela empresa, referentes a aspectos geográficos, geológicos, biológicos,  hídricos, sociais e econômicos.

A equipe multidisciplinar que fez a avaliação concluiu que o EIA está incompleto e insatisfatório para os padrões oficiais desses documentos.

Em referência à audiência pública, a equipe técnica protocolou 26 questionamentos referentes ao que foi apresentado pela empresa.

Os questionamentos vão da contradição em nomear o terminal como de “logística”, ao passo que será de mineração; considerar o local como o melhor apresentado para o empreendimento, descartando duas alternativas locacionais que, segundo os moradores, seriam mais apropriadas; afirmar que a escolha da área se deu por ela já estar  antropizada desde 1980, sem comprovação disso; até à conclusão da representante da empresa de que eles estariam dispensados dos estudos de EIA-Rima por ser terminal de minério.

“Há uma cadeia de irregularidades no licenciamento ambiental. (…) Além disso, muitas informações do referido licenciamento estão omissas, nebulosas e contraditórias, o que viola os princípios da transparência e da publicidade.”

O Projeto Manuelzão pede à Semad que as respostas dos questionamentos sejam feitas de forma clara, precisa e completa. Também cobra a anulação da audiência pública, por violações às normas do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) e do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Pede ainda que seja solicitado ao empreendimento a apresentação das informações complementares e dos estudos adicionais com base nos questionamentos, além da apresentação de outras três alternativas locacionais, por conta da fragilidade e das inconsistências das informações apresentadas sobre elas.

Também solicita que, sendo o empreendimento um terminal de logística e minério, seja incluído nas condicionantes ambientais a utilização da malha ferroviária por trens de transporte de pessoas, além de outros materiais fora o minério, e a criação de corredores ecológicos para trânsito da fauna silvestre.

Por fim, pede a realização de uma nova audiência, com o intuito de assegurar a publicidade, transparência e o direito de participação e ainda que a nova audiência ocorra no distrito de São Gonçalo do Bação.

O que vem agora

Segundo Lucas Prates, advogado integrante do Núcleo de Direito Ambiental do Projeto Manuelzão, “a Feam [Fundação Estadual do Meio Ambiente, ligada à Semad] fornecerá um parecer único que pode deferir ou indeferir o caso. Antes disso, porém, eles podem solicitar mais informações e ajustes ao empreendedor.”

Enquanto isso, na via judicial, o processo de primeira instância do Projeto Manuelzão contra o TFB, continua em andamento, aguardando a decisão da magistrada para possíveis diligências e produção de provas. Na segunda instância, espera-se a manifestação do município de Itabirito em relação a um agravo que será posteriormente julgado.

O prazo total para a análise do licenciamento via administrativa é de até 12 meses, mas pode ser suspenso caso a Semad exija mais informações. Nesse caso, a empresa tem 60 dias, prorrogáveis por mais 60, se a Secretaria conceder, para responder às questões.  Quanto à via judicial, não há como prever o prazo

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