07/07/2021
Lama invisível fez com que 118 famílias vizinhas à estrutura fossem retiradas de seus lares e obrigadas a se exilar; processo de descaracterização deve terminar somente em 2028
[Erramos: ao contrário do que foi publicado pelo Manuelzão nesta quarta-feira, 7, a barragem B3/B4 fica antes da estação de Bela Fama da Copasa e afetaria o abastecimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte em caso de rompimento. Também ao contrário do que foi publicado, a barragem B3/B4 passa pelo processo de descaracterização e não descomissionamento.]
Há mais de dois anos levando pânico ao distrito de Macacos (São Sebastião das Águas Claras), em Nova Lima, a barragem B3/B4, da mina Mar Azul, da Vale, começou a ter seus 2,7 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro removidos. O volume é cerca de um terço do que era contido na barragem B1, que rompeu na mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho, em 2019. Desde então, a B3/B4 está em risco iminente de rompimento, ou nível 3 alerta do Plano de Ações Emergenciais de Barragens de Mineração (PAEBM), o que forçou a remoção de 118 famílias do local e aterrorizou a população que ficou com alarmes falsos e exercícios de simulação.
Outras duas barragens da Vale em Minas estão no nível 3 de alerta: Sul Superior, em Barão de Cocais, e Forquilha III, em Ouro Preto.
O processo de descaracterização, iniciado em novembro do ano passado, é arriscado mas necessário, segundo o coordenador do Manuelzão, Marcus Vinicius Polignano. Consiste em interromper a função de uma barragem de forma permanente, através, inicialmente, da remoção dos rejeitos que ela comportava, drenagem de água da chuva nas obras e reforço estrutural do maciço, além da retirada de material bruto do local. Depois, vem a reintegração do território ao ambiente, monitoramento e controle da estabilidade biológica, averiguação de impactos ambientais.
Ao final das obras, previsto para 2028, a estrutura deve estar totalmente estável e é reincorporada ao relevo e ao meio ambiente.
Não há garantia de retorno das 118 famílias as suas casas, devido aos riscos de cada etapa do processo e às incertezas sobre o resultado final. Essas famílias, agora exiladas de suas casas, estavam em área nas quais a lama da barragem levaria apenas 15 minutos para chegar em caso de rompimento da estrutura, na chamada zona de autossalvamento (ZAS), na qual a responsabilidade pelo deslocamento a uma local seguro é individual, sem possibilidade de resgate por serviços de emergência ou pela defesa civil. Em 2019, a lama de Brumadinho levou menos de meia hora para chegar ao último ponto onde pode ter feito vítimas.
Apesar das intervenções na barragem serem feitas com veículos não tripulados e com estruturas de contenção, a própria descaracterização é uma obra perigosa. “Essas barragens não foram feitas para serem desmanchadas. Mexer nesses terrenos instáveis é muito preocupante”, argumenta Polignano. “Mas entendemos que isso precisa ser feito. Na prática, a barragem é uma bomba-relógio”, explica. A construção de um paredão de contenção, que já foi concluída, serve, segundo o coordenador, para garantir alguma segurança ao processo, e reduzir os danos de um ainda possível rompimento.
A bacia do rio das Velhas está ameaçada pela instabilidade de sete barragens atualmente. Três delas estão em nível máximo de alerta, em Nova Lima, Barão de Cocais e Ouro Preto.
Os rios da região de Macacos ainda são muito preservados, como lembra Polignano, e o povoado tem uma comunidade de tamanho razoável. O abastecimento da região metropolitana de Belo Horizonte seria seriamente afetado por um possível rompimento da B3/B4, ao contaminar a Estação de Bela Fama, da Copasa, que atende cerca de 2,4 milhões de pessoas da região metropolitana da capital.
Além disso, um desastre envolvendo as barragens de Forquilha I e III, em Ouro Preto, também na região do Alto Rio das Velhas, seria catastrófico para toda a extensão da bacia do Velhas. Ambas serão descaracterizadas e também estão mobilizando a construção de uma estrutura de contenção à jusante, com uma galeria de desvio, segundo o Comitê de Bacia Hidrográfica do rio das Velhas.
Outros importantes rios mineiros já foram destruídos por desastres da mineração. O rio Doce e o Paraopeba foram atingidos, respectivamente, pelos rejeitos da barragem do Fundão, em Mariana, e da mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho. Provavelmente contaminado, como ocorreu no rio Doce, o Paraopeba não pode ser utilizado para pesca desde então. A situação do rio Doce, 5 anos após o rompimento em Bento Rodrigues, o maior desastre ambiental da história do Brasil e o maior do planeta na área de mineração, é a mesma. O professor Polignano já falou sobre a recuperação do rio, em matéria especial do jornal O Tempo.
Matéria de Mariana Lage