Expansão da Estação Ecológica de Fechos indica caminhos para a preservação das águas em Minas - Projeto ManuelzãoProjeto Manuelzão

Expansão da Estação Ecológica de Fechos indica caminhos para a preservação das águas em Minas

20/08/2021

Êxito do projeto apontaria rumos a legisladores, gestores públicos, entidades ambientais e à sociedade civil para iniciativas similares no estado, assombrado por frequentes crises hídricas

A Estação Ecológica de Fechos (EEF) é uma unidade de preservação natural, localizada em Nova Lima, que abriga a bacia do córrego de Fechos, florestas de Cerrado e Mata Atlântica e rica fauna ameaçada de extinção. Suas águas abastecem cerca de 280 mil pessoas na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), no eixo sul. A bacia de Fechos se tornou ainda mais importante para a RMBH após o crime da Vale em Brumadinho, que matou o rio Paraopeba, segundo mais importante para a região.

Um projeto de lei (PL) para ampliar a estação ecológica foi apresentado na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), em 2012, pelo deputado Fred Costa, mas não foi apreciado e acabou arquivado. Agora, o PL é levado à frente pela deputada Ana Paula Siqueira (Rede), com o número 96/2019. Em julho, foi realizada uma audiência pública na ALMG para discutir o assunto com órgãos públicos, organizações civis e ambientalistas.

Quase uma década já se passou desde o início do movimento pela expansão de Fechos, porém, agora talvez seja finalmente o momento de sua aprovação. À luz da tramitação do PL, que pode ampliar a proteção de Fechos na esfera pública, publicamos uma série de matérias sobre a importância da estação e da sua expansão. Leia a terceira e última parte da série a seguir. Confira também a primeira e a segunda parte.

Um trâmite de 10 anos

O reconhecimento de Fechos como Área de Proteção Especial se deu há quase 40 anos, ainda em 1982, através de um decreto estadual. Em 1994, passou a ser classificada como Estação Ecológica a área que está protegida hoje. Depois do primeiro PL para expandi-la, fruto da mobilização social do movimento Fechos, Eu Cuido!, ter caducado, em 2015 a pauta foi reaberta. Antes disso, havia sido criado o Parque Natural Municipal de Fechos, em parte da zona de amortecimento (faixa no entorno da unidade de conservação) de Fechos, pela prefeitura de Nova Lima. Houve disputas quanto à venda de lotes pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) no Jardim Canadá que impactariam a EEF e seus mananciais. Esse PL também não foi apreciado e caducou.

Em 2018, o movimento Fechos, Eu Cuido! fez uma reclamação formal no Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), questionando a demora da apreciação do projeto – à época, com 6 anos. Já havia cinco solicitações diferentes ao IEF (Instituto Estadual de Florestas), e o promotor chefe da Promotoria Regional da Bacia do Rio das Velhas requisitou ao órgão todos os documentos reunidos até então. Isso deu mais robustez ao relatório, como avaliam Diogo de Castro, jornalista do Lei.A – Observatório de Leis Ambientais e o promotor então responsável, Frederico Generoso.

Uma reportagem do Lei.A mostrou a última manobra sofrida pelo projeto na casa, no final do ano passado, quando não foi divulgada ao público sua inclusão na pauta da CMA (Comissão de Meio Ambiente). Na ocasião, a ampliação de Fechos foi postergada pela última vez, sem participação da sociedade civil, especialistas e organizações.

Córrego na EEF. Foto: João Marcos Rosa

Falta de vontade política

Os motivos para defender a expansão da Estação são incontestáveis, do ponto de vista ambiental, social e hídrico. A deputada Ana Paula Siqueira, autora do PL, defende que é necessário pensar políticas públicas no âmbito socioambiental com um olhar para o futuro, para o cuidado com a água e a biodiversidade como garantia de direitos para as próximas gerações. Tem-se lá um microclima fantástico, que promove a regulação de clima, presta diversos serviços ecossistêmicos, além do fornecimento de água”, argumenta também Diogo de Castro, do Lei.A. E questiona: “vamos matar a troco de quê? Isso é muito complexo do ponto de vista do interesse público, social”.

Névoa sobre a Estação Ecológica de Fechos. Foto: João Marcos Rosa

Por outro lado, a demora da apreciação do projeto de lei se dá por “um conflito de interesses entre mineração, expansão urbana e serviços ambientais”, como argumentou Júnia Borges, organizadora do movimento Fechos, eu Cuido! em audiência na ALMG. “Estamos otimistas, na audiência todos se manifestaram a favor. Não tem justificativa pra retroceder, o MPMG, o governo estadual, IGAM (Instituto Mineiro de Gestão de Águas), IEF, todos foram a favor da expansão. Agora, resta a boa vontade política”, defendeu a doutora em arquitetura e urbanismo em conversa com o Manuelzão. Camila Alterthum, outra liderança do Fechos, eu Cuido! demonstra cautela com o clima de otimismo, considerando a morosidade do processo.

Na audiência na ALMG, realizada no início de julho, o coordenador do Manuelzão, Marcus Vinícius Polignano, cobrou da Casa a priorização total do PL. “Valorizamos o esforço da deputada Ana Paula, mas ela é uma deputada só. Esse projeto não pode ser de um deputado ou de um partido, deve ser de todos. Nessa Casa há projetos que são aprovados em uma velocidade absurda, sem tempo da sociedade se pronunciar, enquanto esse projeto, de extrema importância para 300 mil pessoas, está aqui há 10 anos e nós ainda o estamos discutindo”, criticou Polignano.

Queda d’água na Estação Ecológica de Fechos. Foto: João Marcos Rosa

“Até 2019 não tinha avançado um milímetro”, explica a deputada Ana Paula Siqueira, que vê de forma positiva a tramitação atual, após aprovação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Para a parlamentar, a explicação para a demora está entre certa despreocupação com questões de preservação natural e falta de vontade política. “Projetos tramitam por prioridades políticas, às vezes para atender a certos grupos. Fechos não recebeu essa atenção”, pontua a deputada.

O caminho agora é o seguinte: se aprovado na Comissão de Meio Ambiente, o projeto vai a plenário em dois turnos. Caso seja aprovado no 1º turno, volta para a comissão, onde pode receber emendas e é feita nova análise e relatório. Se conseguir ser aprovado também no 2º, o PL vai para sanção do governador. Porém, o tempo que isso levará é incalculável, segundo a parlamentar. A mobilização da sociedade será fundamental para que a Casa se sensibilize e garanta a expansão da EEF.

A deputada Ana Paula Siqueira conversou com o Projeto Manuelzão sobre a tramitação do PL da expansão de Fechos na ALMG. Confira a entrevista na íntegra aqui:

Esperança

A retomada do PL pela legislatura atual pode ser finalmente uma conclusão bem sucedida para o caso. A deputada Ana Paula, que assina o projeto agora, vê com bons olhos a tramitação atual: “É um projeto que tem tudo pra dar certo. Tenho muita expectativa de que nessa legislatura vamos superar esses 10 anos de espera. Fechamos todas as arestas, cuidamos de todos os detalhes.” “É um momento crítico, mas as questões de direito à água, crise hídrica, estão sendo valorizadas”, explica a parlamentar.

O PL pela expansão da EEF agora se chama 96/2019, protocolado pela deputada Ana Paula. Já foi apreciado pela Comissão de Constituição e Justiça e agora vai para a comissão de mérito – Meio Ambiente. A parlamentar demonstra expectativas positivas, “com o engajamento de vários setores de estado, um compromisso público verbalizado várias vezes pelo presidente da comissão [de Meio Ambiente], e a manifestação clara do relator de dar prioridade ao projeto”. No dia 9 de julho foi realizada uma audiência pública com moradores, ambientalistas e órgãos públicos.

Foto: João Marcos Rosa

Antes das regras atuais, o regimento interno da ALMG determinava que todo projeto que não fosse aprovado até o final da legislatura seria arquivado. Segundo Diogo de Castro, isso desarticulou “o esforço de reunir as pessoas, debater, conhecer o projeto”. Porém, desde 2019, PLs só são arquivados sem análise se o autor não se reeleger, não há mais possibilidade de caducar. “Se andou um passo até agora, aprovado na CCJ, já é uma vitória”, anima-se o Castro.

O projeto de lei teve parecer favorável do Igam, do IEF, da Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad). É necessário o embasamento técnico do projeto, como explica a deputada Ana Paula, para que a mobilização se solidifique. Isso ainda não tinha sido suficiente para apreciar o projeto, que muda agora é o ambiente na casa.

Um projeto simbólico

Levando em consideração os retrocessos ambientais no Brasil, Ana Paula defende que “Minas Gerais pode dar um passo à frente ampliando a Estação, com mais quatro nascentes para o abastecimento de água da RMBH”. Também vê que a aprovação pode estimular outros parlamentares a pautarem a defesa do meio ambiente em outras regiões do estado, abrir um precedente para um tratamento mais definitivo do tema.

Segundo a deputada, o projeto da expansão de Fechos simboliza uma pauta urgente e central, que também é a ideia norteadora do Manuelzão: preservar as águas. Ela ressalta a importância das questões socioambientais para pensar o futuro da cidade e das próximas gerações. Não só do futuro, aliás, considerando o fantasma da crise hídrica e a sobrecarga da bacia do rio das Velhas e de outras bacias do estado.

Foto: João Marcos Rosa

Tratar os ecossistemas e bacias hidrográficas como microcosmos complexos e transversais é uma perspectiva essencial para a formação de políticas públicas. Ana Paula enfatiza a necessidade de projetos ambientais serem estaduais, não apenas municipais, e abordarem a amplitude dos ecossistemas e bacias hidrográficas, que não seguem fronteiras, além da relação da água com o uso e ocupação do solo.

Essa é a perspectiva da deputada quanto à superação das desigualdades e a prevenção de outros problemas.Se a gente não pensar agora em políticas públicas que serão necessárias no futuro, a gente vai gastar mais dinheiro e demorar mais a atender a população. São iniciativas que vão transformar a nossa realidade, só depende da vontade política.”

Foto: João Marcos Rosa

A deputada Ana Paula argumenta porque Fechos é tão simbólico para Minas, e para toda a política ambiental do Brasil. “Independente de onde estamos, os impactos [de uma pandemia, das mudanças climáticas, de desastres ambientais] atingem todos nós. Quando a gente pensa em preservação, temos que ter um compromisso com todos os bens naturais, e buscar processos que gerem riqueza com baixo impacto ambiental. Não há vida de qualidade sem recursos naturais”, arremata.

Reportagem de Mariana Lage.

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