Falta de "maturidade técnica" causa adiamento do edital do rodoanel, mas projeto continua ignorando impactos socioambientais - Projeto ManuelzãoProjeto Manuelzão

Falta de “maturidade técnica” causa adiamento do edital do rodoanel, mas projeto continua ignorando impactos socioambientais

09/06/2021

A Secretaria de Estado de Infraestrutura e Mobilidade de Minas Gerais (Seinfra) adiou o edital de concessão para novembro e avaliará dois novos traçados

O lançamento do edital de concessão do Rodoanel Metropolitano de Belo Horizonte foi adiado para novembro deste ano, porque ainda não há “maturidade técnica” no projeto, segundo a Secretaria de Estado de Infraestrutura e Mobilidade (Seinfra). O anúncio do adiamento foi publicado na última quarta-feira, 2 de junho, e a remarcação para o relançamento foi divulgada ontem, 8. Apresentado às pressas à população da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) pelo Governo de Minas Gerais, o edital do projeto estava previsto para ser lançado entre junho e julho, desviando-se de qualquer diálogo e participação popular em sua construção.

Projeto antigo para desafogar o trânsito de caminhões e carretas no Anel Rodoviário, o rodoanel será custeado com parte da verba do acordo de reparação pelo rompimento da barragem da Mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho, firmado em fevereiro, entre o governo de Minas, Instituições de Justiça e a mineradora Vale e que não contou com a participação das pessoas atingidas. Dos R$37,69 bilhões de indenização previsto no acordo, R$ 3,75 bilhões serão destinados às obras do Rodoanel, ainda que o projeto não tenha relação com a região e as comunidades atingidas pelo rompimento.

Na última edição da Revista Manuelzão, abordamos o trajeto proposto pelo governo de Romeu Zema (Novo) para o projeto, que embora seja custeado com recursos de compensação ambiental, passa por cima do patrimônio ambiental e histórico-cultural do estado. Leia a matéria Trajeto proposto para rodoanel compromete patrimônio ambiental, hídrico e histórico-cultural da Região Metropolitana de Belo Horizonte na página 22 da Revista Manuelzão 88.

Para mais detalhes sobre as ameaças da Alça Norte do rodoanel as áreas de preservação de carste – formação geológica milenar, distinta pela grande quantidade de cavernas, grutas e cursos d’água subterrâneos – confira a reportagem do Lei.A sobre as inúmeras contradições da aplicação de recursos do acordo de Brumadinho nas obras do rodoanel, a reportagem mostra ainda como o governo do estado, na elaboração do projeto, revogou diversos decretos de proteção ambiental na região sem discussão com a sociedade civil.

O adiamento do lançamento do edital de concessões se deu principalmente devido ao envio de duas novas propostas pela Prefeitura de Betim e pela Associação Mineira de Defesa do Ambiente (Amda).

“Tais contribuições de novos traçados não tinham o mesmo nível de maturidade técnica dos estudos realizados e colocados pelo Estado em consulta. Assim, visando a avaliação de todas as contribuições recebidas, e com o mesmo rigor técnico daquilo que já foi realizado, a Seinfra está realizando estudos complementares neste momento, necessários para publicação do edital com todas as contribuições devidamente respondidas e analisadas com a profundidade que o projeto requer”, disse ao portal G1 o secretário de infraestrutura do governo Zema, Fernando Marcato.

Sem diálogo

Paralelamente às consultas, algumas reuniões e audiências referentes às quatro alças (norte, oeste, sudoeste e sul) foram realizadas. Mas, muitas dessas reuniões não contaram com efetiva participação popular. 

Em audiência na Assembleia Legislativa de Minas Gerais no início de maio, Adriana Souza, do Movimento SOS Vargem das Flores, afirmou que uma audiência pública realizada em uma escola de Contagem no dia 3 de março em formato misto (regime remoto e presencial) apresentou problemas no áudio da transmissão e precisou ser remarcada. Em um novo encontro, no dia 26 de março, os questionamentos apresentados pela população não foram respondidos. Ademais da farsa no diálogo democrático, a ativista alertou para o fato de que audiências online excluem as populações que não tem equipamentos e acesso à internet, bem como tornam restritos os assuntos discutidos. Os debates deixam de ser trocas para serem exposições dos interessados no rodoanel.

Destruição à vista

Mas não é só a região da represa de Várzea das Flores que será rasgada pelo traçado. Nos 13 municípios atingidos pelo projeto, 200 famílias serão afetadas e o valor das desapropriações chegará a R$ 1,2 bilhão. Estudando-se o projeto na íntegra, contudo, é possível perceber que o número de afetados está subestimado. Matas, mananciais, áreas de proteção ambiental, patrimônios culturais e vizinhanças separadas e dizimadas pelos 100 quilômetros de extensão, em faixas de aproximadamente 170 a 400 metros de largura, comprovam que o impacto é bem maior.

Na última segunda, dia 07 de junho, Adriana, que também é co-fundadora do Coletivo COM ELAS e integrante da Frente Brasil Popular Contagem, acompanhada do representante da Comissão Pastoral da Terra Frei Gilvander Moreira e do advogado popular e membro do Movimento Serra Sempre Viva Henrique Lazarotti participaram da live “Projeto do Rodoanel em Belo Horizonte e RMBH e seus impactos socioambientais”. A iniciativa foi idealizada pelo Professor Rodrigo Bolívar e faz parte do Projeto Seminário Geográfico da Rede Estadual de Ensino de Minas Gerais.

A aula, que está disponível na íntegra no canal do Youtube da Comissão da Pastoral da Terra, trouxe mais de uma hora de explanações e exibições de imagens de satélite do projeto do Rodoanel. O primeiro fator levantado foi que a obra faraônica sufoca as áreas rurais ainda remanescentes na região metropolitana. Como cita Frei Gilvander, a construção dos outros dois anéis viários em nossa cidade, o da Avenida do Contorno e o Anel Rodoviário, não foram suficientes para melhorar o tráfego e nos arredores das vias cresceram desordenadamente outros bairros e ocupações.

Os produtores rurais, as tradições e a agricultura familiar sofrem, e a especulação mobiliária cresce. Bairros serão divididos já que, para evitar adensamento populacional ao lado, o rodoanel terá acessos reduzidos para intervalos de oito em oito quilômetros.

Além disso, a rodovia será financiada via parceria Público-Privada (PPP), e implicará cobrança de pedágio, que tem como base o valor de 0,35 centavos por km. Isso poderá gerar em mais trânsito em outras vias, e jogar por terra a proposta de conectar pontos distintos da cidade.

O trajeto proposto pelo governo mineiro ainda prevê túneis que passarão por dentro das montanhas do Parque Estadual Serra do Rola-Moça e da Serra da Calçada, afetará áreas remanescentes de Mata Atlântica, além de fauna, flora, nascentes, cachoeiras, sítios arqueológicos, cavernas com pinturas rupestres, cemitérios de antigos negros escravizados e comunidades quilombolas.

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