Governo estadual trava tombamento da Serra do Curral, denunciam conselheiros de patrimônio - Projeto ManuelzãoProjeto Manuelzão

Governo estadual trava tombamento da Serra do Curral, denunciam conselheiros de patrimônio

29/03/2022

Pronto desde 2020, dossiê de tombamento ainda não foi votado pelo conselho de patrimônio por oposição do governo Zema

[Imagem da capa: Silhueta de trecho da Serra do Curral em que se vê o Pico Belo Horizonte, algumas antenas e a Mata do Jambreiro, a partir da MG-030. Fonte: Dossiê de tombamento Iepha.]

Um grupo de integrantes do Conselho Estadual do Patrimônio Cultural (Conep), contando com 10 dos seus 21 conselheiros, divulgou na segunda-feira, 21, uma carta aberta esclarecendo que vem realizando todos os esforços para o tombamento imediato da Serra do Curral, mas que segue encontrando forte resistência por parte do governo estadual em suas diversas instâncias para que esse reconhecimento oficial seja , de fato, efetivado.

Na mesma semana em que foi tornada pública a denúncia dos conselheiros do Conep, o projeto da Tamisa (Taquaril Mineração S.A.) voltou à pauta da Câmara de Atividades Minerárias (CMI) do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam). A mineradora tenta o licenciamento ambiental de seu Complexo Minerário Serra do Taquaril (CMTS), um enorme empreendimento que prevê a retirada de pelo menos 31 milhões de toneladas de minério de ferro durante 13 anos.

Em sua concepção inicial, o projeto era dividido em três fases e previa a retirada de 1,2 bilhão de toneladas ao longo de 30 anos. A divisão do projeto em fases é uma estratégia comum na mineração, condenada por ambientalistas como uma manobra das empresas para aumentar as chances de obter a anuência junto aos órgãos ambientais.

Após sucessivas negativas na obtenção das licenças, a Tamisa adotou uma nova estratégia: excluir do pedido de licenciamento a fase três do projeto, reduzindo o período de exploração para 13 anos. Uma vez instalado, contudo, sobem exponencialmente as chances do CMTS conseguir explorar a serra pelos 30 anos requeridos inicialmente.

Realizada na sexta-feira, 25, a 85ª reunião extraordinária da CMI terminou com o pedido de vista dos conselheiros e conselheiras, isto é, o pedido de mais tempo para analisar o caso. A CMI se reúne uma vez ao mês e o complexo Taquaril voltará à pauta do próximo encontro.

A importância da Serra do Curral e seu histórico da exploração

Em matéria da Revista Manuelzão 89, contamos um pouco da rica história da Serra do Curral, sua importância para o povoamento de Minas Gerais e para a construção de Belo Horizonte. Também falamos das desfigurações que a serra sofreu em virtude da exploração minerária e da expansão imobiliária e das tentativas de proteção por meio de um tombamento federal, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o Iphan, ainda em 1960 e pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), em 1991.

Leia a matéria “Por um punhado de dólares: mineradoras e governo do estado tentam acordo para destruir o Curral de Minas” na página 6 da Revista Manuelzão 89.

Os tombamentos federal e municipal, contudo, por protegerem apenas as porções da Serra do Curral nos limites do território de Belo Horizonte, não foram suficientes para impedir que, longe da vista dos belo-horizontinos, a mineração literalmente sumisse com morros e rebaixasse outros em função da retirada de ferro. Em seus 11 quilômetros de extensão, a serra compreende também parte do território de Sabará e Nova Lima.

Nesse contexto, o tombamento estadual, fundamentado por um dossiê do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais, o Iepha, é essencial para garantir a integridade da Serra do Curral. O dossiê, que tem mais de 1600 páginas, foi financiado pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), após a assinatura de um tempo de compromisso.

Serra do Curral vista a partir do Cemitério do Bonfim, na região Noroeste da capital. Foto: Dossiê de tombamento Iepha

Há pouquíssimo tempo a serra se livrou da mineração. A Empabra (Empresa de Mineração Pau Branco), responsável pela mina Granja Corumi, instalada desde a década de 1950, teve suas atividades suspensas após Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) realizada na Câmara Municipal de Belo Horizonte, em 2018. Já a Fleurs Global minerou ilegalmente a serra até que a Polícia Federal interviesse, em 2020.

O que diz a carta

O Conep é um órgão colegiado composto por representantes do poder público e da sociedade civil e presidido pelo Secretário de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais. Leônidas José de Oliveira, atual titular da pasta, indicado pelo governador Romeu Zema (Novo) ocupa esse posto desde abril do último ano.

Na carta, os conselheiros defendem que sejam suspensos os processos de licenciamento que seguem sendo conduzidos na serra, de forma direta ou indireta. O dossiê que fundamenta o tombamento da serra foi validado pelo Iepha em 2020 e submetido para análise do Conep, responsável por votar sua aprovação, logo na primeira reunião ordinária do conselho em 2021.

Porém, a presidente do Iepha e secretária-executiva do Conep à época, Michele Arroyo, que colocaria o dossiê para votação no conselho, foi destituída do cargo por Zema.

Transcorrido o ano sem convocação de reunião do Conep, que deveria se reunir a cada seis meses, houve uma grande mobilização social e repercussão na mídia sobre o tema. O MPMG fez, então, uma recomendação ao Iepha exigindo que o dossiê fosse pautado na próxima reunião do Conep e uma audiência sobre o tema foi realizada em junho na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

Nessa audiência, Leônidas Oliveira afirmou que o governo estadual revisaria o estudo realizado pelo Iepha para o tombamento estadual da Serra do Curral “à luz dos impactos ao desenvolvimento econômico”. O objetivo é claro: alterar as bases do estudo para permitir a exploração na área, o que condenaria definitivamente a serra.

No dia 21 de dezembro de 2021, foi convocada uma reunião, porém a pauta da proteção da Serra do Curral foi tratada apenas como um informe questionando o próprio dossiê, além de estender o prazo de exame para mais seis meses. Foi sugerido, ainda, que fosse feito um substitutivo, para que fossem estimados os impactos econômicos que seriam acarretados com a proteção da serra.

“Nesta reunião, nós, conselheiros abaixo-assinados, mantivemos nosso posicionamento de tombamento imediato da Serra do Curral, mas a reunião terminou de forma abrupta e desrespeitosa a todos, sem ao menos registrar as proposições e votos dos conselheiros. Na sequência, como nos faculta o regimento do Conselho, solicitamos uma reunião extraordinária que deveria ser marcada imediatamente, mas até hoje não houve sequer resposta ao pleito, em evidente contradição com a norma vigente”, esclareceram os signatários da carta.

Leia a carta na íntegra.

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