19/11/2021
PL 3.300/2021 tramita em velocidade espantosa na ALMG e passa à mineradora área fundamental para recarga hídrica das bacias hidrográficas do Velhas e do Paraopeba
Apenas uma semana depois de ser apresentado na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), um projeto de lei que desafeta parte do Monumento Natural Estadual (Mona) da Serra da Moeda e transfere a área para a Gerdau foi aprovado em 1º turno nas comissões da Casa. A mineradora e siderúrgica pretende expandir a Mina Várzea do Lopes às custas da preservação da biodiversidade e os recursos hídricos da Serra da Moeda, que abastece a Região Metropolitana de Belo Horizonte, com a conivência de parte do poder público estadual.
Na última quarta-feira, 17, o PL 3.300/2021, de autoria do deputado Thiago Cota (MDB), foi aprovado nas comissões de Constituição e Justiça, Meio Ambiente e Desenvolvimento Econômico – na última, a reunião foi marcada para 23h45. Além da tramitação relâmpago, que destoa da morosidade de projetos de relevância social e ambiental, por exemplo, não houve participação popular nas votações, nem audiência pública para debater o PL com a população, organizações civis e ambientalistas. Por outro lado, há documentação da própria Gerdau anexada ao projeto de lei.
“A Gerdau tenta desafetar uma área tombada e emplacar esse projeto de lei usando o estado para se instrumentalizar. É muito absurdo, mas é um exemplo clássico do que estamos vivendo com a mineração em Minas Gerais”, analisa Jeanine Oliveira, ambientalista do Manuelzão. Ela lembra que a empresa já perdeu uma ação pública e foi incriminada, em 2008, por crimes cometidos na região de Moeda, inclusive por explorar cavernas de alta relevância. A Gerdau chegou a firmar um termo de ajuste de conduta com o estado mas não arcou com quase nenhuma das determinações judiciais.
O texto do projeto de lei é enganoso desde a ementa: “define os limites e amplia” a área do Monumento da Serra da Moeda. 75,28 hectares são “doados” pela Gerdau, mas 12,81 são liberados para a empresa numa área muito mais valiosa, que fica no topo da serra. Topos de morro são especialmente importantes para a recarga hídrica e a capacidade de absorção dos campos de altitude. O interesse da mineradora nessa área é o ferro, que fica na mesma camada do aquífero Itabirito Cauê, que abastece os rios das Velhas e Paraopeba. A área que vai ser anexada ao Mona, por outro lado, fica perto da rodovia que vai para a cidade de Moeda.
O PL foi apresentado na Assembleia Legislativa pelo deputado Thiago Cota na terça-feira passada, no dia 9 de novembro. Tudo aconteceu a toque de caixa: uma semana depois, em um só dia, 17, o projeto foi votado nas três comissões necessárias – Constituição e Justiça, Meio Ambiente e Desenvolvimento Econômico. A última reunião aconteceu às 23:45 da noite, horário que diz muito da prioridade do PL na Casa e o interesse em evitar o debate público.
“A celeridade da tramitação do PL foi espantosa, nada nessa legislatura tramitou com tanta intensidade como esse projeto, que eu considero um absurdo”, lamenta a deputada Ana Paula Siqueira (Rede), que protocolou pedidos de audiência pública em diversas comissões na ALMG. Na comissão de Defesa dos Direitos da Mulher o requerimento foi aceito e a audiência pode ser marcada já na semana que vem. A deputada Beatriz Cerqueira (PT) também entrou com pedidos de audiência.
O PL está pronto para ir a plenário em 1º turno, mas até agora as reuniões em que ele seria votado foram canceladas. Na quinta, 18, não houve quórum, a quantidade mínima de deputados necessária para iniciar uma votação, e a reunião não foi aberta. Também foi cancelada uma reunião prevista para hoje.
“O projeto de lei é uma clara agressão ao meio ambiente, não pode continuar na pauta da Assembleia. Minas Gerais tem histórico de favorecimento de mineradoras, mas a mobilização social e o esclarecimento da população sobre os impactos são fundamentais [para pressionar os deputados contra a aprovação]. Estamos aguardando a data da audiência para abrir a assembleia e ouvir moradores, especialistas, técnicos e ambientalistas, que ainda não tiveram voz”, salienta a deputada.
O PL 3.300/2021 é, na verdade, uma reaparição do 1.822/2020, de autoria do deputado Antonio Carlos Arantes. Fruto do lobby da Gerdau, o PL proposto no ano passado foi retirado pelo autor após uma estrondosa repercussão negativa. Robôs chegaram a ser usados para inflar a votação a favor do projeto na consulta pública da ALMG, que mesmo antes da correção já estava bem aquém dos votos contrários.
O Monumento Natural Estadual (Mona) da Serra da Moeda é uma unidade de conservação (UC) que foi criada em 2010 para proteger as riquezas naturais, arquitetônicas, históricas e arqueológicas do local e se estende pelos municípios de Moeda e Itabirito. O mesmo decreto que criou o Mona também criou a Estação Ecológica de Arêdes, em Itabirito. “As duas unidades são biologicamente interdependentes: as espécies endêmicas que vivem na região precisam dos dois ambientes para sobreviver. A Serra da Moeda, com campos de altitude, forma um corredor ecológico com Arêdes, onde o bioma é mais parecido com o Cerrado”, explica Jeanine Oliveira.
A Serra da Moeda tem 70 quilômetros e abrange porções das cidades de Brumadinho, Nova Lima, Belo Vale e Ouro Preto, além de Moeda e Itabirito, onde fica a área protegida do Mona. No município de Moeda, um decreto proíbe a mineração. A serra apresenta espécies típicas catalogadas nos campos ferruginosos que sofrem diretamente pelo impacto da mineração, como a deposição de pó minerário, que também afeta a saúde respiratória da comunidade do entorno.
O campo rupestre ferruginoso possui função essencial na manutenção do ciclo hidrológico da região. Ele atua na infiltração das águas de chuvas e na formação de mananciais subterrâneos. O Aquífero Cauê, que fica debaixo da Serra da Moeda, será ainda mais gravemente impactado pela expansão da Gerdau na região – a Vale, no Complexo Vargem Grande, também afeta a recarga hídrica local.
O Sinclinal Moeda, funciona como uma caixa d’água natural que alimenta as bacias hidrográficas do rio Paraopeba e do rio das Velhas, que abastecem diretamente a Região Metropolitana de Belo Horizonte. A cadeia de montanhas de 70 quilômetros abriga os córregos que deságuam no rio Contendas, que por sua vez abastece o município de Moeda.
O histórico de abusos da Gerdau se iniciou em 2006, quando a empresa implantou a mina Várzea do Lopes sem realizar o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) exigido pela legislação, valendo-se somente de uma licença simplificada. A empresa é detentora de parte do território do Mona. No ano seguinte, o MPMG ajuizou uma ação contra a Gerdau, solicitando que as atividades minerárias da empresa fossem interrompidas, até que os estudos ambientais fossem realizados.
As atividades foram paralisadas até 2009, ano em que a Gerdau assinou um Termo de Ajustamento de conduta (TAC) com o MPMG e o governo do estado, com o objetivo de reparar os danos ambientais provocados pela extração ilegal na Serra da Moeda. Dentre as 28 obrigações, a empresa assumiu o compromisso de implantar o Monumento Natural Estadual Serra da Moeda e de não solicitar novas licenças para seu empreendimento na área. A Gerdau assinou o termo e foi liberada a retomar as atividades na mina Várzea do Lopes.
Mas, em 2013, solicitou a ampliação de sua produção de 1,5 milhões de toneladas ano (Mta) para 13 Mta, o que motivou a assinatura de novo termo de compromisso, desta vez, com 33 novas medidas compensatórias.
Em 2019, a Gerdau entrou com novamente com um pedido de licença para implantar uma pilha de rejeitos estéreis de mineração na área onde deveria ser um corredor ecológico. As pilhas de estéril são obras geotécnicas bastante complexas tanto pela heterogeneidade do material quanto pelo processo construtivo, além de causarem grande impacto ambiental. Para isso, a empresa precisava da anuência do gestor do parque, o Instituto Estadual de Florestas (IEF).
A partir daí, começou um imbróglio envolvendo o IEF, que deu a anuência à Gerdau sem se reunir com o conselho do Mona. As últimas eleições aconteceram recentemente.
O movimento Não Vale Uma Moeda, em prol da preservação da Serra, denuncia frequentemente a invasão da Gerdau na Serra. A estratégia da mineradora e siderúrgica é invadir o território, de um lado, e pressionar o poder público a seu favor, do outro, inclusive para conseguir a regularização “pós invasão”.
É inadmissível a forma como o PL tramita na Assembleia. Não aceitamos qualquer diminuição na área de proteção da Serra da Moeda. Enquanto o mundo discute formas de preservar o meio ambiente, a Casa não pode aprovar formas de destruí-lo.
Uma consulta pública sobre o PL 3.300 está aberta no site da ALMG e já conta com mais de 1.400 votos contrários. Vote aqui.
Há também uma petição contra o PL 3.300, que já tem mais de 10.000 assinaturas. Assine aqui.