30/05/2025
Sítio guarda vestígios dos primeiros núcleos populacionais de Minas; decisão reconhece que município “se esquivava” de efetuar a proteção patrimonial da área
A Justiça estadual determinou, no fim de abril, que o município de Itabirito realize o tombamento do Complexo Arqueológico de Arêdes, localizado na Serra de Itabirito, no Quadrilátero Ferrífero-Aquífero. A decisão atende a uma ação civil pública (ACP) movida pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) em 2018, que reivindicava reconhecimento oficial do valor cultural, histórico e arqueológico da área.
A sentença, proferida pela 1ª Vara Cível de Itabirito, proíbe a prefeitura de emitir licenças para qualquer atividade que possa causar danos à área sem autorização prévia de órgãos competentes e estudos de impacto ambiental e cultural. Além disso, o município deve reconhecer a região como área especialmente protegida, conforme previsto na Lei de Crimes Ambientais, e implementar vigilância permanente no local.
Em caso de descumprimento, o município estará sujeito a multa a ser revertida ao Fundo Estadual do Ministério Público.
O Ministério Público argumentava que, mesmo diante do “inquestionável valor cultural da região”, o município de Itabirito vinha “se esquivando de proceder ao tombamento do aludido complexo arqueológico”, conforme havia sido recomendado pelo órgão em 2013.
Embora a recomendação inicial de preservação do local tenha sido apresentada em 2010, a Prefeitura de Itabirito manifestou resistência ao tombamento, alegando que a região já estaria protegida desde a criação da Estação Ecológica de Arêdes. Além disso, a gestão municipal destacou que a proteção total da área poderia prejudicar o crescimento econômico da região.
A Justiça, no entanto, rejeitou o argumento, ressaltando que o desenvolvimento econômico não deve ter prioridade em relação à preservação do patrimônio cultural. O processo de tombamento, conforme decisão judicial, deve ser finalizado em um prazo máximo de 180 dias, contados a partir da ciência da determinação.
A ACP, movida em 2018 pela Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural de Itabirito, contou com o apoio da Coordenadoria Estadual de Patrimônio Cultural, do Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente (Caoma) e da Coordenadoria Regional das Promotorias de Meio Ambiente das bacias dos rios das Velhas e Paraopeba.
Mesmo com as perdas irreversíveis causadas pela mineração, segundo a Justiça estadual, o complexo “possui inegável relevância histórica, cultural, arqueológica, ambiental e científica, o que justifica e impõe o seu tombamento como bem cultural”. O dossiê de tombamento ressalta que esses elementos, que remontam ao período do Ciclo do Ouro, a partir do final do século XVII, possuem “grande potencial para estudos e pesquisas sobre a ocupação da região central de Minas Gerais”.
Na fundamentação da sentença, a juíza Vânia da Conceição Pinto Borges destacou que “a proteção integral do Complexo Arqueológico de Arêdes se justifica pela necessidade de preservar a sua integridade material e imaterial, bem como de garantir a sua ambiência e o seu contexto histórico e paisagístico, evitando a fragmentação do conjunto e a sua descaracterização”.
O Complexo Arqueológico de Arêdes, a 40 quilômetros de Belo Horizonte, é um conjunto de ruínas que guarda vestígios de três séculos de história. Composto por uma série de estruturas de alvenaria de pedra, o complexo correspondia, no passado, a um núcleo estratégico para mineração, produção de alimentos e conexão entre arraiais na antiga região de Itabira do Campo.

Antiga Casa de Pedra, parte do núcleo principal do sítio arqueológico. Foto: Ferdinando Oliveira/Projeto Manuelzão.
Os primeiros registros históricos do início do século XVIII revelam Arêdes como um lugar já ocupado e populoso. “Não era apenas uma fazenda, mas várias propriedades, com muitas famílias habitando o território, um conjunto que formava um arraial tão antigo quanto a sede de Itabirito”, explica Moacir Maia, historiador e professor da Universidade Federal de Viçosa (UFV) que estuda Itabirito e, particularmente, a região de Itabira do Campo.
O complexo é composto de três sítios, que incluem ruínas das antigas fazendas Arêdes e Águas Quentes. As estruturas faziam parte de um complexo produtivo formado por uma casa de vivenda, capela, senzala, venda, curral e extrações minerárias.
Para Maia, a resistência física dessas estruturas comprova a importância do local, guardião de histórias que ainda esperam para serem contadas. “É preciso de mais pesquisas para saber do passado histórico antes da chegada dos sertanejos paulistas, sobre a história indígena, que precisa ser melhor conhecida. Como era essa população indígena que viveu ou passou por essa região de Itabirito, da Serra de Itabirito, da Serra da Moeda? Nós temos ainda poucos elementos sobre essa população”, destaca o professor.
Aredes foi ponto de encontro para uma diversidade de povos e as estruturas remanescentes do povoado dizem de como pode ter sido a vida social na região naquela época, do que pode ter resultado dessa coexistência. “Então nós temos ali essa sobrevivência de ocupações que deixaram um registro muito importante sobre o nível da arqueologia. Uma capela feita não de barro, mas de pedra e cal. Veja você como é sólido, mostrando que havia uma povoação importante naquele lugar”, sublinha Moacir.
O Complexo está inserido na Estação Ecológica de Arêdes, unidade de conservação (UC) criada em 2010 para proteger uma diversidade de fauna, flora, solo e águas. Apesar da importância, a área de 1.157 hectares sofreu ao menos três tentativas de desafetação entre 2013 e 2023 para expandir atividades de mineração.
A ofensiva mais recente é uma parceria entre a mineradora Minar e o deputado João Magalhães, atual líder do governo de Romeu Zema (Novo) na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). O Projeto de Lei 387/23, aprovado em dezembro de 2023, propôs retirar do território da estação um trecho ambientalmente importante de quase 30 hectares, o equivalente a 30 campos de futebol.
A área a ser desafetada inclui um tipo de vegetação protegido por lei, os campos rupestres ferruginosos, que são vitais para a recarga do Aquífero Cauê e para a preservação da qualidade das águas que alimentam a Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas. Nessa área também se encontra um conjunto de ruínas, aqueduto, canais e tanques de drenagem da antiga Fazenda Arêdes.