Justiça lenta, feridas abertasProjeto Manuelzão

Justiça lenta, feridas abertas

24/01/2025

Comunidades resistem diante da impunidade e da contaminação ambiental

Mar de lama deixou um rastro de destruição em Brumadinho e outros locais em 2019. Foto: Isac Nobrega

Seis anos depois do desastre em Brumadinho, onde a barragem da mina Córrego do Feijão se rompeu, a população atingida ainda vive entre a dor e a esperança por justiça. No dia 25 de janeiro de 2019, 13 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração foram liberados, destruindo comunidades inteiras, poluindo o Rio Paraopeba e tirando a vida de 272 pessoas, incluindo duas que ainda não haviam nascido. Esse evento é lembrado como um dos maiores desastres socioambientais do Brasil, mas até agora, ninguém foi responsabilizado.

Um sistema judicial lento e frustrante

Os processos judiciais contra 15 pessoas e as empresas Vale S.A. e Tüv Süd, que certificaram a barragem como segura, enfrentam constantes atrasos. Em 2023, os casos foram transferidos para a justiça federal após alegarem a existência de sítios arqueológicos na região, uma informação que sequer foi comprovada. Com essa mudança, muitos atos processuais tiveram que ser refeitos, causando ainda mais demora.

Danilo Chammas, advogado da Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem de Brumadinho (Avabrum), critica a situação. Segundo ele, as famílias sofrem ao verem os culpados ganhando tempo enquanto a justiça se arrasta. A principal preocupação é que as acusações de homicídio doloso sejam rebaixadas para homicídio culposo, diminuindo as chances de punições severas. “Isso seria um desrespeito às famílias e às vidas perdidas”, afirma Chammas.

Reparação prometida, mas não cumprida

A Vale firmou um acordo de R$ 37,7 bilhões com o governo de Minas Gerais para reparos. No entanto, apenas R$ 7,4 bilhões desse montante foram realmente destinados às comunidades atingidas. Grande parte do dinheiro foi usada em obras, como o Rodoanel, que beneficia mineradoras e agrava os impactos ambientais.

As indenizações individuais também sofrem com falta de transparência. A Vale é quem decide os valores e as condições, deixando os atingidos sem poder de negociação. Como resultado, muitas pessoas continuam esperando por uma compensação justa. Enquanto isso, os projetos de recuperação ambiental andam devagar. Apenas 1% dos rejeitos no Rio Paraopeba foi retirado até agora, muito aquém do esperado.

Os impactos invisíveis

Estudos realizados pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) mostraram que os moradores de seis cidades atingidas convivem com altos níveis de metais tóxicos no ar, como arsênio, mercúrio e cromo. Esses elementos, além de afetarem gravemente a saúde humana, contaminam o solo e os rios, prejudicando a agricultura e o meio ambiente. Mariana Vieira, técnica da Aedas, explica que o Brasil não tem leis adequadas para lidar com essa contaminação, deixando as comunidades ainda mais vulneráveis.

Maria Regina da Silva, mãe de Priscila Ellen Silva, uma das vidas perdidas durante o rompimento, e membro do conselho fiscal da Avabrum, em entrevista ao Brasil de Fato, lembra que o sofrimento vai muito além da perda de seus entes queridos. “Nós enterramos pedaços dos nossos filhos. Isso não é algo que se supera. E sem justiça, parece que também perdemos a esperança”, desabafa. A frase que marca os atos deste ano é clara: “Memória irreparável”.

Resistência e esperança

Apesar da lentidão judicial e dos desafios, os moradores de Brumadinho continuam lutando. Iniciativas como a exposição Florescer em meio à lama e a Romaria pela Ecologia Integral são exemplos da força dessas comunidades. Por meio delas, é possível manter viva a memória das vítimas e pressionar as autoridades por justiça e mudanças.

Entretanto, a impunidade continua sendo um grande obstáculo. Muitos acreditam que o sistema favorece as grandes empresas, que continuam lucrando, enquanto os atingidos sofrem. A Vale, por exemplo, teve aumento de lucros logo após o acordo com o governo. Para as famílias, a busca por justiça em Brumadinho é também uma luta por um Brasil que valorize a vida acima dos lucros.

Essa tragédia deixou uma marca que não será esquecida. Mais do que lembrar, é preciso agir para que desastres como esse nunca mais se repitam.

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