20/06/2024
Mineradora foi embargada pela Prefeitura de BH após ser flagrada explorando área que deveria recuperar; interdição foi derrubada e agora revalidada
O desembargador Jair Varão, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), suspendeu novamente as atividades da Empresa de Mineração Pau Branco (Empabra) em área tombada da Serra do Curral. A decisão desta terça-feira, 18, atende a um recurso apresentado pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), que embargou as operações em 15 de maio após flagrar exploração ilegal na área, mas teve a medida derrubada por um juiz da primeira instância.
A mina Granja Corumi está localizada inteiramente em BH e foi fechada após o tombamento municipal da Serra do Curral em 1990. Em 2006 a empresa assumiu o compromisso com o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) de recuperar a área, o que nunca ocorreu. No fim do ano passado, a Empabra foi autorizada pela Agência Nacional de Mineração (ANM) e pela Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam) a retirar e comercializar minério previamente lavrado na mina, supostamente para conter possíveis riscos geológicos na área durante o período chuvoso.
Em 15 de maio deste ano, após inúmeras denúncias de extração ilegal durante a noite, a PBH interditou a mina Corumi após “presenciar atividade minerária” e autuou a Empabra por crime ambiental gravíssimo. A empresa foi multada em R$ 64.945,69, valor previsto em lei, e viaturas da Guarda Municipal ficaram encarregadas de monitorar o local e impedir o acesso de caminhões.
A Empabra recorreu à Justiça, afirmando que cumpria determinação da ANM, o que é desmentido por uma nota técnica da agência que diz expressamente que foi a empresa a protocolar um requerimento para intervenção na área. A ANM condiciona a retirada de minério na área à apresentação de um Plano de Recuperação de Área Degradada (Prad) e de um Plano de Fechamento de Mina em até 180 dias. Tendo em conta que as atividades na mina começaram entre outubro e novembro do ano passado, a empresa está atrasada em um mês para a apresentação dos planos.
Ignorando a vistoria da PBH que flagrou mineração ilegal e acatando o argumento da mineradora contrariado pela própria documentação da ANM que permitia as ações, o juiz Thiago Grazziane Gandra, da Comarca de Belo Horizonte, permitiu a retomada das atividades no último dia 10.
A PBH recorreu da decisão, e, ao julgar o caso, o desembargador Jair Varão decidiu que as operações na mineradora devem ser suspensas novamente, pois “os autos de infração emitidos por agentes públicos no poder de polícia têm presunção de veracidade e legitimidade”.
Apesar da decisão, moradores seguem observando a movimentação de caminhões na área.
Vizinho da área, o engenheiro e ambientalista Euler Cruz registra a movimentação de caminhões na área da Empabra na tarde desta quarta-feira, 19. Vídeo: Euler Cruz.
Para o coordenador do Projeto Manuelzão, o professor Marcus Vinícius Polignano, causa espanto uma interpretação da Justiça que não leve em conta o status de patrimônio tombado da Serra do Curral, que é o principal símbolo de Belo Horizonte. “Qualquer decisão nesse âmbito deveria ser extremamente criteriosa e partir do pressuposto de absoluta proteção ao bem, que, como provou a vistoria da prefeitura, estava sendo mais uma vez dilapidado em plena luz do dia, sob o nariz de todos”.
“É bastante claro que a mineradora está se valendo de um falso discurso de recuperação ambiental para poder explorar mais. Deveríamos mudar o nome de Plano de Recuperação de Área Degradada [Prad] para Plano de Mineração de Área Degradada”, provoca.
Há quase 20 anos, a Empabra assumiu o compromisso de recuperar a área da mina Corumi, que funcionou ininterruptamente entre 1950 e 1990. A partir de 2003, a Embrapa fecha sucessivos acordos com o MPMG e a Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Semad) para intervenções na área, permitindo-se sempre a comercialização de milhões de toneladas do fino de minério proveniente das ações.
Em 2006, por meio de um aditivo a um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado com o MPMG, a mineradora é obrigada a recuperar o local conforme medidas definidas em um Prad. O plano foi apresentado no ano seguinte, reformulado em 2009 e começou a ser executado somente em 2012.
Contudo em 2015, a Empabra conseguiu uma licença junto à Semad, com anuência dos demais órgãos nas esferas municipal, estadual e federal, para lavrar 1,5 milhão de toneladas por ano, mesmo estando em área tombada da Serra do Curral. A lenta recuperação deu lugar à rápida expansão da devastação.
Entre uma irregularidade e outra, a empresa minerou a área de forma intermitente até 2019, quando teve as operações embargadas. A Empabra explorou trechos não permitidos e quantidades acima do autorizado, além de fornecer informações falsas à Semad.
Para a ambientalista Jeanine Oliveira, integrante do Projeto Manuelzão, o movimento recente da Empabra é uma estratégia para seguir minerando na região, tendo em vista que com o tombamento da Serra da Curral do lado da capital seria praticamente impossível de se conseguir uma licença convencional para explorar a área.
De fato, não demorou para que se acumulassem denúncias de intenso tráfego de caminhões pelos bairros vizinhos e de trabalho de maquinário pesado, sobretudo no período da noite.
No dia 6 de maio, técnicos da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMMA) de BH vistoriaram o local e observaram sinais de atividade ilegal de lavra. Um relatório sobre a inspeção ficou pronto uma semana depois, quando a PBH oficiou a Semad e a Feam solicitando a interrupção imediata das operações da mineradora. No dia 15 a mina foi interditada.
Além da multa de R$64.945,69 por crime ambiental gravíssimo, ficou estipulada multa diária de R$27.957,82 em caso de descumprimento da ordem, que é dobrada a cada reincidência.
Jeanine questiona a anuência da ANM às atividades, alegando que não há evidências técnicas o suficiente para justificar a decisão. “A alegação feita pelos técnicos da ANM de que a região estava instável não foi constatada por nenhum fiscal do estado nem do município de Belo Horizonte, que já haviam feito outras visitas no mesmo local anteriormente”.
Presente em visitas realizadas à mina, ela também aponta a existência de áreas que já estavam estáveis e que foram alteradas.
Responsáveis da Empabra justificaram que na área onde havia um empilhamento de material previamente extraído, e que ficou abandonado após a interdição ocorrida entre 2018 e 2019, parte desse material foi carreado, impedindo o funcionamento dos chamados sumps, bacias para conter as águas da chuva e que sobem do lençol freático. As águas que se acumulam para essas bacias de drenagem são então bombeadas e escoadas.
Entretanto, aponta Jeanine, eles só precisam de sumps ativos se estivessem minerando a área. Como consequência, foi feita uma cava sob a justificativa de conter a região supostamente instável, alterando assim a paisagem original.
Para Jeanine, fica patente a falta de fiscalização efetiva das atividades. A ANM e Feam concedem a autorização, porém não acompanham de perto se o que foi acordado está sendo devidamente seguido. “Quem contou quantos caminhões foram? Quantas toneladas de minério de ferro foram? Ninguém. Quem está se fiscalizando? Quem está dizendo que tá estável, que não está estável? Quem está regrando a atuação deles [da mineradora]? São eles mesmos, né?!”
Ainda segundo a integrante do Projeto Manuelzão, ao se questionar as entidades responsáveis, como a Feam, elas adotam uma postura de isenção de responsabilidade sobre o caso e postergam a decisão sobre quem deveria tomar conta da situação.
No último dia 3, membros da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realizaram uma visita à mina Corumi para verificar possíveis irregularidades no processo de extração mineral.
O engenheiro Euler Cruz, do Fórum Permanente São Francisco, denunciou que a região analisada durante a visita tratava-se de um lugar que não necessitava de intervenção. A região ao redor do Parque da Baleia tinha uma elevação com árvores como eucaliptos e outras espécies frutíferas e até mesmo uma nascente. A parte mais vegetada foi retirada, o que resultou em uma cava de mineração e agora é um ‘lago de água vermelha’. “A parte das pilhas, onde está acontecendo a retirada desde outubro, não foi contemplada na visita por escolha da mineradora”, completou.
O engenheiro Júlio Grillo, ex-superintendente do O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) em Minas Gerais e também integrante do Fórum Permanente São Francisco, acredita que a mineradora não deve concluir o chamado retaludamento (processo de redução da inclinação dos taludes, encostas íngremes suscetíveis à desmoronamento com a ação da chuva) porque, sem um sistema de água pluvial, a erosão ocorre a cada chuva, o que leva à necessidade de novos serviços e ao ciclo vicioso de venda de minério resultante dessas intervenções.
Na ocasião estiveram presentes a vereadora por Belo Horizonte, Iza Lourenço (Psol); as deputadas estaduais Bella Gonçalves (Psol) e Beatriz Cerqueira (PT); os deputados federais por Minas Gerais Rogério Corrêa (PT) e Duda Salabert (PDT).
Para os parlamentares, o processo conduzido pela Empabra é ineficiente e deveria ser substituído por um parque de preservação, iniciativa essa apoiada por Jeanine Oliveira. “Ajudaria muito, no processo, se a gente tivesse a atribuição de uma empresa para entrar ali que fosse de preservação, de recuperação, de preferência que essa empresa tivesse um currículo que comprovasse que ela já fez isso em outras áreas”.