Mais de 90 cientistas publicam carta na Science contra o decreto de Bolsonaro que ameaça cavernasProjeto Manuelzão

Mais de 90 cientistas publicam carta na Science contra o decreto de Bolsonaro que ameaça cavernas

30/03/2022

Decreto assinado em janeiro pode levar à destruição de cavernas e à extinção de espécies endêmicas; cientistas denunciam sua gravidade na revista internacional

Um grupo de 95 cientistas de todo o mundo publicou uma carta na revista Science, fazendo críticas severas às medidas danosas tomadas pelo governo Bolsonaro em detrimento do meio ambiente e ecossistemas brasileiros. No texto, intitulado “Patrimônio de Cavernas Brasileiras sob Cerco”, os pesquisadores cobram a revogação imediata e total do decreto 10.935/2022, que determina que qualquer tipo de caverna pode ser destruída em prol de obras e empreendimentos considerados de utilidade pública.  O decreto segue válido, embora tenha sido parcialmente suspenso no dia 24 de janeiro.

“Com a mudança atual, o grande impacto é que se propõe que mesmo as cavernas de alta relevância sejam sujeitas à mineração desde que se tenha um interesse público maior. E o problema é: quem vai considerar o interesse público maior? Então, ela abre brechas para que mesmo cavernas de alta relevância, cavernas que possuem atributos biológicos extremamente especiais, possam ser destruídas também”, explica Paulo Pompeu, professor do Departamento de Ecologia e Conservação da Universidade Federal de Lavras e um dos cientistas que assinam a carta. O decreto segue válido, embora tenha sido parcialmente suspenso no dia 24 de janeiro.

Na carta, os cientistas afirmam que “sob o presidente Jair Bolsonaro, o Brasil negligenciou a proteção ambiental (…). O novo decreto ignora o insubstituível valor científico das cavernas brasileiras. Pesquisadores documentaram centenas de espécies endêmicas de cavernas, incluindo animais com adaptações únicas”.

Os signatários afirmam ainda que o decreto é ilegal e que ameaça a extinção de espécies, além de causar outros impactos gravíssimos: “Pelo menos 72 espécies de morcegos empoleiram-se em cavernas brasileiras e fornecem serviços ecossistêmicos críticos, como controle de pragas. A geodiversidade dessas cavernas também é excepcional, com muitos locais abrigando minerais raros e formações geológicas que não são encontradas em nenhum outro lugar. Finalmente, a infinidade de sítios arqueológicos e paleontológicos em todo o país fornece um registro único do passado do Brasil”.

A Science, também referida como Science Magazine, é uma revista científica publicada pela Associação Americana para o Avanço da Ciência, considerada, ao lado da Nature, uma das revistas acadêmicas mais prestigiadas do mundo.

Relevância mínima para proteção ambiental

O texto, decretado pelo presidente Jair Bolsonaro no dia 12 de janeiro, autoriza intervenções em qualquer tipo de caverna, incluindo aquelas de relevância máxima, para obras e empreendimentos considerados de utilidade pública. Esta medida faz parte do “Pacote da Destruição”, uma série de projetos desenvolvidos pelo presidente que ameaçam a natureza, milhares de espécies nativas e territórios indígenas.

No dia 24 de janeiro, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, suspendeu parcialmente o decreto do presidente, impedindo a permissão para a construção de empreendimentos ou destruição de cavernas classificadas em relevância máxima. No entanto, a decisão é provisória e não cobre a maior parte do projeto, de forma que áreas classificadas como de menor relevância continuam ameaçadas.

“Não necessariamente toda caverna precisa ser protegida. A gente precisa que todas as cavernas que estão sob influência de mineração sejam estudadas e que as de relevância máxima sejam protegidas. Existem alguns critérios para a determinação dessa relevância máxima, que é, por exemplo, a presença dessas espécies exclusivas. Então se você tem uma caverna com muitas espécies que só são encontradas naquela caverna, ela tem que ser preservada, não pode ser destruída”, explica Paulo Pompeu.

Além da grave possibilidade de destruição das cavernas e ecossistemas únicos, a construção nesses locais significa degradar águas subterrâneas, fonte “invisível” de boa parte do volume que abastece agricultura, empreendimentos e população. Os impactos da medida do governo federal, caso siga sem ser contestada integralmente, são incalculáveis.

Leia a carta na íntegra (em inglês) aqui e a versão traduzida abaixo:

Sob o presidente Jair Bolsonaro, o Brasil negligenciou a proteção ambiental. Até recentemente, ambientes subterrâneos eram altamente resguardados; embora algumas cavernas pudessem ser destruídas para o propósito da exploração de recursos minerais ou desenvolvimento urbano, aquelas classificadas como apresentando valor cultural, geológico e/ou biológico máximo tinham que ser preservadas. No entanto, um decreto presidencial de janeiro permitiu a destruição de até mesmo aquelas cavernas com relevância máxima, representando um passo atrás substancial para a conservação subterrânea.

O novo decreto ignora o insubstituível valor científico das cavernas brasileiras. Pesquisadores documentaram centenas de espécies endêmicas de cavernas, incluindo animais com adaptações únicas. Milhares de espécies ainda não possuem descrições formais, e muitas espécies aguardam descoberta. Pelo menos 72 espécies de morcegos empoleiram-se em cavernas brasileiras e fornecem serviços ecossistêmicos críticos, como controle de pragas. A geodiversidade dessas cavernas também é excepcional, com muitos locais abrigando minerais raros e formações geológicas que não são encontradas em nenhum outro lugar. Finalmente, a infinidade de sítios arqueológicos e paleontológicos em todo o país fornece um registro único do passado do Brasil.

O decreto de Bolsonaro aumenta o risco de extinção de espécies únicas. Ignorando o valor intrínseco e utilitário das cavernas brasileiras, a política negligencia as estratégias de conservação globais para resguardar o bioma subterrâneo, viola os princípios tanto da Política Federal de Biodiversidade quanto da Convenção em Diversidade Biológica, e falha em se alinhar com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. As potenciais perdas de espécies únicas, serviços ecossistêmicos e novos químicos industriais (que poderiam ser derivados de micróbios encontrados nas cavernas) são imprevisíveis. Ainda, porque causar a extinção de espécies poderia danificar a reputação de uma empresa, a política poderia minar o setor minerário que a administração busca apoiar. Nós não podemos permitir que estes ecossistemas sejam obliterados por decretos de visão curta.

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