O que está por trás do PL que propõe alterar área do Monumento Natural da Serra da MoedaProjeto Manuelzão

O que está por trás do PL que propõe alterar área do Monumento Natural da Serra da Moeda

23/10/2023

Proposta é a terceira tentativa de alteração da área protegida por parlamentares, sob a sombra dos interesses da Gerdau

Vista da área da mina Várzea do Lopes, da Gerdau, ao lado da área protegida da Serra da Moeda. Foto: William Dias/ALMG.

Mais um projeto de lei que prevê a alteração dos limites do Monumento Natural Estadual (Monae) da Serra da Moeda está sendo discutido na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) nas últimas semanas. O PL 1.185/2023, o terceiro sobre o assunto nos últimos quatro anos, desta vez de autoria do deputado estadual Noraldino Júnior (PSB), prevê a incorporação de 62,65 hectares à área. O que parece, em primeira análise, algo benéfico à conservação do patrimônio ambiental do estado, pode favorecer, na verdade, a siderúrgica Gerdau, que busca expandir a exploração de minério de ferro em uma área ao lado, às margens da BR-040, na divisa entre os municípios de Itabirito e Moeda, na mina Várzea do Lopes.

O contexto recente justifica as suspeitas de movimentos ambientalistas e parlamentares que atuam em defesa da Serra da Moeda. Anos atrás, o deputado Antônio Carlos Arantes (PL), com o PL 1.822/2020, deu os contornos iniciais da proposta que seria “repaginada” outras vezes na ALMG. A partir de estudos técnicos elaborados pela própria Gerdau, o projeto previa ceder à empresa 12,8 hectares da área do Monumento Natural, para “acomodar a necessária expansão da mina de Várzea do Lopes”, em troca da anexação de 75,46 hectares, pertencentes à siderúrgica.

A resultante ampliação de 62,65 hectares da área protegida — coincidentemente a mesma área da proposta de Noraldino —, contudo, permuta áreas de extrema relevância hídrica e de biodiversidade para as bacias dos rios Paraopeba e das Velhas por áreas de baixa relevância ambiental. Após intensa mobilização contrária, o projeto foi retirado de tramitação pelo autor.

Um ano depois, foi a vez do deputado Thiago Cota (PDT) repetir a dose. Seu PL 3.300/2021 fez reaparecer a mesma proposta, em tramitação marcada pela aprovação de três comissões da Casa em menos de 24 horas, uma das reuniões iniciada às 23h45. No início de 2022, o parlamentar foi além: tentou anexar a proposta em um PL sobre apreensão de veículos durante a pandemia. O “jabuti”, como é chamada a manobra, foi descoberto, e o deputado retirou o projeto de tramitação após a repercussão negativa.

Nesse cenário, o deputado Noraldino Júnior apresenta uma nova fórmula. Desta vez, o PL 1.185/2023 propõe apenas a incorporação de 62,65 hectares doados pela Gerdau ao Monae da Serra da Moeda, sem que haja a desafetação dos 12,8 hectares visados pela empresa, que deixariam de ser protegidos. A justificação do projeto cita, entre outros benefícios, a “preservação de uma área de extensão maior na região que é tão rica em biodiversidade e patrimônio espeleológico” e a formação de um corredor ecológico com a Estação Ecológica de Arêdes.

Após a repercussão da proposta, 26 organizações da sociedade civil, entre elas a Associação do Meio Ambiente de Moeda, a ONG Abrace a Serra da Moeda e o Projeto Manuelzão, oficiaram o deputado Noraldino pedindo que o PL seja retirado de tramitação. As organizações apontam que a “Gerdau vem ultrapassando os limites legais de sua atividade econômica, desconsiderando totalmente a proteção concedida à Serra da Moeda”. A empresa responde atualmente a pelo menos três ações judiciais por irregularidades na exploração minerária.

No ofício, também é lembrada a possibilidade de que emendas parlamentares alterem a versão inicial do projeto de modo a favorecer a atividade minerária. Além disso, parte da área que o deputado propõe incorporar ao Monae da Serra da Moeda, apontam as organizações, já deveria ser destinada pela siderúrgica para a criação de um corredor ecológico com a Estação Ecológica de Arêdes, como medida de compensação acordada com o Ministério Público e o Estado de Minas Gerais pela abertura da mina Várzea do Lopes sem licença ambiental.

Deputado Noraldino Júnior (PSC) durante visita técnica realizada à Serra da Moeda pela Comissão de Meio Ambiente da ALMG na última segunda-feira, 16. Foto: William Dias/ALMG.

Reunião com a Fiemg

As organizações também registram no ofício enviado ao deputado Noraldino que, em 30 de agosto, representantes da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) e da InvestMinas, agência do governo do estado, organizaram uma reunião com a Gerdau e as autoridades públicas de Moeda, incluindo o prefeito e vereadores.

O propósito do encontro era apresentar o projeto de expansão da mina Várzea do Lopes, que avançaria dentro dos limites de Moeda, e garantir “contrapartidas” ao município. Durante a reunião, é apontado no ofício, com base em informações que se tornaram públicas, que o diretor de Relações Institucionais da Gerdau, Pedro Torres, “afirmou categoricamente já estar realizando encontros com o Governo do Estado de Minas Gerais e com parlamentares da Assembleia Legislativa de Minas Gerais para tratar do tema.

O PL 1.185/2023 foi protocolado no dia 22 de agosto e publicado dois dias depois.

Histórico predatório da Gerdau

A mina Várzea do Lopes, aberta em 2006 na divisa entre Itabirito e Moeda, já nasceu irregular. As atividades iniciaram sem que a Gerdau tivesse realizado o Estudo de Impacto Ambiental (EIA), documento técnico exigido pela legislação. Em 2008, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) moveu uma ação civil pública, exigindo a interrupção das atividades minerárias da empresa até que os estudos ambientais fossem apresentados. Em resposta a essa ação, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) determinou a suspensão das operações na Várzea do Lopes, aguardando a realização do EIA.

Em 2009, a Gerdau firmou um acordo judicial com o MPMG e o Estado de Minas Gerais para reparar os danos ambientais resultantes da extração ilegal de minério na Serra da Moeda. O acordo incluiu 28 obrigações, entre elas a criação do Monae da Serra da Moeda, efetivada em 2010. Além disso, a empresa se comprometeu a não solicitar mais licenças para operações na região da Serra da Moeda.

Porém, em 2013, a empresa requereu uma ampliação substancial de sua produção de 1,5 milhão de toneladas por ano (Mta) para 13 Mta, o que resultou na assinatura de um novo termo de compromisso com 33 medidas compensatórias. Apesar dos compromissos assumidos em 2009 e 2013, a empresa solicitou uma nova licença à Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Semad), em 2019, para expandir a exploração e criar uma nova pilha de rejeitos em uma área designada para um corredor ecológico, conforme o acordo judicial de 2009.

Para garantir a aprovação dessa ampliação, o gestor do Monae Moeda, Henri Collet, concedeu anuência sem ouvir o conselho consultivo da unidade de conservação, omitindo esse fato. Com a decisão, as atividades adentraram as zonas de amortecimento do Monae Moeda e da Estação Ecológica Estadual de Arêdes. As zonas de amortecimento são áreas ao redor de uma unidade de conservação, destinadas a minimizar os impactos negativos de atividades externas, como ruído, poluição e expansão da ocupação humana.

Ampliando a escavação de seu empreendimento, a Gerdau invadiu, em 2017, os limites do Monae da Serra da Moeda, o que foi confirmado por uma inspeção do Instituto Estadual de Florestas (IEF). Essa invasão afetou áreas de campo rupestre ferruginoso, que desempenham um papel crucial para a formação e recarga de aquíferos ao promoverem a infiltração subterrânea das águas pluviais.

Em novembro de 2020, a Semad emitiu uma Licença Operacional Corretiva (LOC) à Gerdau, permitindo a operação de lavra a céu aberto com uma produção de 1,5 Mta, com validade até 2026. A LOC é usada para regularizar atividades degradadoras que não passaram pelo processo de licenciamento inicial. Em junho de 2021, a Gerdau admitiu o crime ambiental cometido pela invasão do Monae em um novo termo de compromisso assinado com o MPMG.

Tombamento em Moeda

Na área desejada pela Gerdau está a Reserva Biológica Sul, estabelecida em 2008, por decreto municipal de Moeda, com o objetivo de proteger a encosta da cidade. Em 2004, foi estabelecido um tombamento municipal com a intenção de preservar o patrimônio paisagístico e cultural da Serra da Moeda, ameaçado principalmente pela atividade minerária. Além disso, o artigo 37 do Plano Diretor do Município de Moeda proíbe expressamente a mineração de ferro em seu território.

Em visita técnica realizada pela Comissão de Meio Ambiente da ALMG na última segunda-feira, 16, o vereador moedense Ednei Antunes (Solidariedade) afirmou: “Não é verdade que a população de Moeda seja a favor da mineração, eu diria que apenas uns 15% pensam assim. A maioria quer a preservação da serra”.

Atualmente é possível emitir sua opinião sobre o PL 1.185/2023 no site da ALMG. Também foi organizado um abaixo-assinado contra a expansão da atividade mineradora na Serra da Moeda. Acompanhe, participe e pressione nossos parlamentares!

Página Inicial

Voltar