16/06/2025
Processo que elege representantes da sociedade civil no Comam foi dissolvido dois dias antes da votação; composição atual será mantida por mais seis meses
A Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) suspendeu na madrugada da última quarta-feira, 11, a eleição de representantes da sociedade civil para o Conselho Municipal de Meio Ambiente (Comam), que estava prevista para sexta-feira, 13. A decisão, assinada pelo Secretário Municipal de Meio Ambiente João Paulo Menna Barreto e publicada no Diário Oficial do Município, prorroga os mandatos atuais por mais seis meses até que o novo pleito para o biênio 2025–2027 seja realizado.
Órgão colegiado, com ação normativa e deliberativa, o Comam é responsável pelas diretrizes da política ambiental da capital e por votar o licenciamento de empreendimentos. O processo eleitoral registrou números inéditos de participação: 82 candidaturas foram protocoladas, das quais 62 foram homologadas pela comissão eleitoral, quase o dobro das 32 candidaturas homologadas em 2021. O diferencial desta edição foi a forte mobilização de entidades ambientalistas, que pela primeira vez apresentou a maior parte das candidaturas.
O Comam é composto por sete representantes do poder público municipal e sete da sociedade civil. Os conselheiros do poder público são designados pelas secretarias de Obras e Infraestrutura, Política Urbana, Desenvolvimento Econômico, Saúde e Governo, pela Fundação Municipal de Cultura e pela Câmara. Já a sociedade civil é representada por duas entidades de defesa do meio ambiente, duas de promoção do desenvolvimento econômico, uma de categorias de profissionais liberais, um representante de universidades e um representante de sindicato de trabalhadores de categorias profissionais não liberais.
Entre as organizações inscritas estão cooperativas de catadores de materiais recicláveis, coletivos de economia criativa e grupos dedicados a modelos econômicos regenerativos. O quadro poderia representar uma mudança significativa no perfil tradicional do conselho, historicamente dominado por representantes do setor empresarial.
Após a homologação das candidaturas, organizações representativas do comércio e da indústria apresentaram 24 recursos à comissão eleitoral. Os recursos contestam a legitimidade das entidades ambientalistas e alegam que elas não atuariam diretamente pelo desenvolvimento econômico do município. No comunicado de suspensão da eleição, o secretário informa que remeterá à Procuradoria-Geral do Município (PGM) a análise jurídica dos termos do edital.
Entre as contestações, estão tentativas de impugnar entidades ligadas à reciclagem, agroecologia, bioeconomia, economia circular, cooperativas de catadores, organizações LGBTQIAPN+ e grupos focados em cannabis industrial, o cânhamo. Os recursos também questionam a participação de entidades que trabalham com inclusão de jovens e pessoas em situação de vulnerabilidade social.
A argumentação dos recorrentes baseia-se na interpretação de que apenas organizações com foco explícito em atividades econômicas tradicionais deveriam ocupar as vagas destinadas ao segmento empresarial no conselho.
A administração municipal justifica a suspensão como medida preventiva contra possível judicialização que poderia anular integralmente o processo eleitoral. Em nota oficial, a PBH afirma buscar “transparência e segurança jurídica”, evitando o risco de vacância no colegiado.
Matheus Dias, engenheiro ambiental do Projeto Manuelzão, avalia o adiamento como “particularmente grave” considerando o papel normativo e deliberativo do Comam. “Após muito tempo, a sociedade civil conseguiu se organizar para ocupar as cadeiras que lhe cabem por direito. O conselho vota sobre licenciamentos ambientais e empreendimentos que impactam diretamente a vida da população”, argumenta.
Os movimentos ambientalistas realizaram coletiva de imprensa na manhã da sexta-feira, 13, às 11h, em frente à prefeitura. No ato público, denunciaram o que consideram “mudança das regras do jogo após a homologação das inscrições” e “tentativa de virar a mesa porque o placar não agradou”.
Paralelamente à manifestação, foi impetrado mandado de segurança no Tribunal de Justiça de Minas Gerais para garantir o cumprimento do edital original. No entanto, o pedido foi indeferido pela Justiça, que manteve a suspensão do processo eleitoral, consolidando a decisão da prefeitura de transferir a análise à PGM.
A deputada federal Duda Salabert (PDT) criticou a decisão da prefeitura em suas redes sociais, destacando o que considera um “paradoxo democrático” suspender uma eleição justamente devido ao excesso de participação popular. “É contraditório suspender um processo eleitoral porque houve participação de mais”, declarou a parlamentar. “Isso faz parte do desmonte sistemático da política ambiental que vivemos no país”.
O Comam possui função estratégica na gestão ambiental de Belo Horizonte, deliberando sobre licenciamentos, políticas públicas ambientais e fiscalização de empreendimentos potencialmente poluidores. A composição do órgão influencia diretamente decisões que afetam a qualidade de vida urbana e o desenvolvimento sustentável da capital mineira.
A suspensão do processo eleitoral mantém a atual composição do conselho, predominantemente formada por representantes empresariais, por pelo menos mais seis meses, enquanto a PGM analisa os recursos apresentados e define os próximos passos do processo.