Trajeto do Rodoanel proposto pelo governo de Minas passa por cima de patrimônio ambiental e histórico-cultural - Projeto ManuelzãoProjeto Manuelzão

Trajeto do Rodoanel proposto pelo governo de Minas passa por cima de patrimônio ambiental e histórico-cultural

15/02/2021

Em representação enviada ao Ministério Público, entidades pedem traçados alternativos com menor impacto ambiental e discussão efetiva com a sociedade sobre os rumos do projeto; opções menos danosas já existem

Qual a razoabilidade de se aplicar recursos de compensação ambiental em empreendimentos que geram grandes impactos ao meio ambiente? Essa é a pergunta que o Projeto Manuelzão, junto de outras entidades e ambientalistas, faz em uma representação protocolada no Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), na última semana, a respeito do projeto apresentado pelo governo do estado para a construção do Rodoanel Metropolitano de Belo Horizonte.

Apesar de não ter relação direta com a região atingida pelo rompimento da barragem da Mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho, o rodoanel será custeado com parte da verba do acordo de reparação, firmado no último dia 4, entre o governo de Minas, Instituições de Justiça e a mineradora Vale e que não contou com a participação das pessoas atingidas. Dos R$37,69 bilhões de indenização que a Vale previstos no acordo, R$ 3,75 bilhões serão destinados às obras do Rodoanel.

Na representação, as entidades apontam que os traçados apresentados pelo governo impactariam regiões de alta vulnerabilidade ambiental, principalmente no Parque Estadual Serra do Rola Moça e na unidade de conservação de proteção integral Monumento Natural da Serra da Calçada. Além da ameaça à natureza, há ainda a iminência de danos irreversíveis ao patrimônio histórico-cultural de Minas Gerais.

No documento, é cobrada a atuação do MPMG de modo a garantir o direito à efetiva participação social opinativa, técnica e decisória no âmbito das discussões do rodoanel.

“Como o potencial de causar dano sobre os recursos naturais depende do tipo da obra, se faz necessário um estudo de alternativas locacionais com o objetivo de diminuir os impactos no meio ambiente. No caso de empreendimentos lineares, como é o caso de rodovias, a discussão de alternativas locacionais é indispensável para a seleção do melhor traçado” diz trecho da representação.

O texto também lembra que há propostas de trajetos alternativos de menor extensão e menor impacto ambiental relacionado.

O projeto do Governo de Minas

O governo publicou o Decreto 441, de 15 de outubro de 2020, que declara de utilidade pública os terrenos necessários à construção do rodoanel e traz em anexo a descrição perimétrica desses terrenos.

Projeto apresentado pelo governo de Minas.

Projeto apresentado pelo governo de Minas.

O rodoanel compreenderá, segundo a proposta do governo: uma Alça Norte, ligando a BR-381 na saída para Governador Valadares a LMG-806, em Ribeirão das Neves; uma Alça Oeste que conecta a LMG-806 à BR-381, na saída para São Paulo; uma Alça Sudoeste da BR-381, saída para São Paulo, a MG-040 na região próxima de Ibirité; e uma Alça Sul, ligando a MG-040 na região de Ibirité à BR-040, na saída para o Rio de Janeiro.

Patrimônio que pode desaparecer na Alça Sul

As entidades e movimentos ambientais que assinam a representação apontam que, em sua alça Sul, o projeto acarretará a destruição de patrimônios históricos, sítios arqueológicos e nascentes, supressão de vegetação, perda de biodiversidade, obstáculos à atividade turística, dentre outros.

Isso porque o traçado sul interceptaria a unidade de conservação de proteção integral Monumento Natural da Serra da Calçada, o Parque Estadual da Serra do Rola-Moça e grande área de Mata Atlântica, Cerrado e campos rupestres ferruginosos. As áreas de preservação nos limites de Brumadinho e Nova Lima abrigam enorme biodiversidade, mananciais indispensáveis para o abastecimento de Casa Branca e Ibirité e várias propriedades rurais e condomínios.

Forte de Brumadinho

Unidade de conservação de proteção integral desde 2013, o Monumento Natural da Serra da Calçada está localizado junto à BR-040, próximo ao bairro Jardim Canadá. Lá, a cerca de 50 km do local do rompimento da barragem da Vale, fica o Forte de Brumadinho, datado do século XVIII, que serviu de área de tráfego de pessoas e mercadorias, e tem elementos arquitetônicos e construtivos típicos da época.

Estrada da Serra da Calçada remanescente do século XVIII

Nas trilhas que cortam a região, inclusive as que levam ao Forte, há a presença de calçamento em pedras, também do século XVIII. A chamada Estrada da Serra da Calçada vinha de São Paulo e oeste de Minas, pelo Vale do Paraopeba, até Ouro Preto. Caminho dos bandeirantes, ela passa dentro de Piedade do Paraopeba, segue pelo Morro Vermelho, Tutaméia e sobe a Serra da Calçada, um pouco ao sul do Forte de Brumadinho.

Atualmente, a Serra é local de visitação turística, com diversas trilhas para caminhada e prática de mountain bike. A cachoeira Poço Encantado de Brumadinho também fica próxima ao Forte.

Em razão de seus atributos culturais, o Conjunto Histórico e Paisagístico da Serra da Calçada é tombado, desde 2008, pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha).

Trajeto alternativo

Na representação protocolada no MPMG, é ressaltado que existem alternativas de trajeto com menor impacto ambiental atrelado, como, por exemplo, uma opção de trajeto passando em Betim por Ibirité, contornando ao norte o Parque Estadual da Serra do Rola Moça, até atingir o anel rodoviário na altura do bairro Olhos D’água, próximo ao viaduto da Mutuca.

Segundo a Associação Mineira de Defesa do Ambiente (Amda), como informado em uma reportagem do Observatório de Leis Ambientais (Lei.A), essa alternativa existe pelo menos desde 2012, quando foram realizadas discussões sobre o projeto e três trajetos foram apresentados.

A Amda também publicou uma análise preliminar de alternativa para a Alça Sul que margeia os limites do Parque Estadual da Serra do Rola-Moça para chegar a Ibirité.

Segundo a entidade, a alternativa reduziria a extensão da Alça Sul de 26 km para 17 km, afetando uma área 39% menor, sendo que a área de florestas impactadas seria 73% menor. As propriedades rurais afetadas diminuiriam de 35 para 20 e o número de nascentes afetadas também diminuiria de 8 para 2. As áreas de proteção permanente com relação a cursos d’água seriam 94% menos impactadas que no traçado escolhido pelo governo.

A análise com a proposta alternativa da Amda pode ser acessada aqui.

Participação efetiva

As entidades que assinam a representação afirmam que para que a participação nos rumos do rodoanel ocorra de forma efetiva, é necessária a suspensão da audiência para consulta pública, aberta no início de fevereiro, e a marcação de uma reunião para discussão do projeto com a sociedade civil, planejada de forma a permitir que os presentes exponham e debatam suas opiniões.

“A realização de uma consulta pública, sem que antes aconteça esta reunião, legitimaria a participação da sociedade civil sem que, de fato, ela tenha acontecido. Isso porque os tempos de fala em audiências públicas são extremamente exíguos e não permitem a apresentação de documentos, o debate, a realização de estudos complementares sobre alternativas, etc. É imperioso que se discuta, com a sociedade civil, alternativas locacionais para o referido empreendimento”, destaca trecho do documento.

A cachoeira Poço Encantado fica próxima ao Forte de Brumadinho

Além do Projeto Manuelzão, assinam a representação a Associação dos Proprietários e Moradores do Bairro Jardim Casa Branca, o Comitê Popular da Zona Rural de Brumadinho Piedade do Paraopeba, Fórum Permanente São Francisco, Lobos da Serra, Movimento Verde de Paracatu, Promutuca, Rola Moça Resiste e Serra Sempre Viva Ibirité.

O rodoanel

Obra prometida por diversos governos há mais de 20 anos, o chamado Rodoanel Metropolitano de Belo Horizonte é uma antiga aposta para diminuir o fluxo de veículos pesados no Anel Rodoviário, retirando cerca de 5 mil caminhões que passam pelo local por dia.

Toda a obra foi orçada em R$ 4,5 bilhões. Desse total, estima-se utilizar entre R$ 3,5 bilhões e R$ 3,75 bilhões provenientes do acordo de indenização assinado entre o Governo de Minas, órgãos de Justiça e a mineradora Vale. O valor restante, cerca de R$ 1 bilhão, será arrecadado mediante pedágio durante a operação da via.

A expectativa é que pelo menos 200 famílias, principalmente em Betim e Contagem, e 3.500 imóveis tenham que ser desapropriados. A previsão para o início das obras é março de 2023 e a conclusão está prevista para março de 2027.

Leia a representação na íntegra.

[Para mais detalhes sobre as ameaças da Alça Norte do rodoanel a áreas de preservação de carste, formação geológica milenar, distinta pela grande quantidade de cavernas, grutas e cursos d’água subterrâneos, confira a reportagem do Lei.A sobre as inúmeras contradições da aplicação de recursos do acordo de Brumadinho nas obras do rodoanel. A reportagem mostra ainda como o governo do estado, na elaboração do projeto, revogou diversos decretos de proteção ambiental na região sem discussão com a sociedade civil.]

 

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