Congresso aprova projeto que pode acabar com proteção de margens de rios urbanos - Projeto ManuelzãoProjeto Manuelzão

Congresso aprova projeto que pode acabar com proteção de margens de rios urbanos

17/12/2021

PL 2.510 altera o Código Florestal e municipaliza proteção de APPs; agora, a proposta segue para a sanção presidencial

Na quarta-feira (8), o Congresso Federal aprovou, em plenário, o PL 2.510, que altera o Código Florestal, municipalizando a proteção ambiental de margens de rios em perímetro urbano e autorizando até que não haja nenhuma área de proteção marginal, áreas que atualmente são de proteção permanente (APPs). A proposta estava em tramitação desde agosto, quando foi aprovada na Câmara dos Deputados.

O debate do PL no Senado havia permitido a inserção de importantes emendas de redução de danos, como a faixa mínima de 15 metros de proteção. Entretanto, a redação que permitia algum resquício de proteção foi rejeitada quando o projeto voltou à Câmara.

O PL, que teve apoio de ruralistas e do governo Bolsonaro, teve 234 votos a favor e 137 contra e agora vai à sanção presidencial. Além de regularizar construções irregulares, tem objetivo de legalizar ainda mais desmatamento, trocando águas e matas ciliares por concreto.

A faixa não edificável, onde é proibido construir em volta de rios e lagos urbanos, atualmente é determinada pelo Código Florestal de 30 a 500 metros, de acordo com a largura do corpo d’água. Ela é fundamental para garantir a saúde dos mananciais, reservando espaço à mata ciliar, e a absorção da água das chuvas pelo solo. É uma APP – área de preservação permanente – para preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, protegendo o solo.

Menos preservação, mais concreto

No Senado, ao invés da liberação completa, que ignora o papel das águas e matas ciliares para o funcionamento das cidades, o mínimo de 15 metros de faixa não edificável deveria ser respeitado. A consolidação de ocupações irregulares, outro objetivo do PL original, havia sido mantida, mas o acordo do Senado garantia que a vegetação conservada até a vigência da nova legislação deveria ser mantida intacta, respeitando o Código Florestal. Infelizmente, nenhuma dessas importantes mudanças não foi acatada.

O PL 2.510 representa um grande retrocesso, que coloca em risco os rios, as cidades e as pessoas. As faixas de proteção dos cursos d’água estão entre os principais responsáveis por evitar desastres como enchentes, inundações e deslizamento de encostas, relacionados à perda de cobertura vegetal e à consequente impermeabilização do solo. Da mesma forma, garantem a recarga e o abastecimento dos lençóis freáticos, a preservação da vida aquática e a qualidade das águas.

Os rios que correm pelas cidades precisam deixar de ser alvo da expansão desenfreada e predatória e ser incorporados harmonicamente à vida urbana, ou desastres como as grandes enxurradas, que se repetiram neste ano em Belo Horizonte, ou no sul da Bahia, nunca vão acabar. O assunto se torna ainda mais urgente tendo em vista o efeito das mudanças climáticas nos eventos extremos e os impactos a locais e comunidades socioeconomicamente mais vulneráveis.

Conflito normativo

A (in)oportuna tramitação do projeto de lei tem a ver com um conflito normativo que perdurou por décadas no Brasil. Duas leis eram aplicáveis na definição da margem de proteção dos cursos d’água: o Código Florestal, mais restritivo, que determina que a faixa deve ser de no mínimo 30 metros, ou a Lei de Parcelamento do Solo Urbano, que previa uma margem de 15 metros sem construções.

Era a lei de parcelamento que vinha sendo utilizada nos casos desse tipo, mas uma sentença do STJ (Supremo Tribunal de Justiça) de abril deste ano decidiu pela prevalência do Código Florestal, tanto em corpos d’água em perímetro urbano quanto rural. Porém, a decisão, que tinha o intuito de resolver esse conflito entre legislações, acabou não encerrando a questão. O STJ não “modulou os efeitos” de seu julgamento: não definiu a partir de que marco temporal a situação geraria efeitos jurídicos.

Foi nessa incerteza que o PL 2.510, de autoria do deputado federal Rogério Peninha Mendonça (MDB-SC) e relatoria de Darci de Matos (PSD-SC), apoiado pelo setor ruralista, imobiliário e o presidente Jair Bolsonaro, abriu caminho pelo Congresso.

Em agosto, quando o PL foi aprovado na Câmara, entrevistamos o professor de direito econômico ambiental da Faculdade de Direito da UFMG Leonardo Corrêa, que já havia previsto que o Senado mudaria o texto do PL e que ele poderia acabar judicializado. Segundo o Instituto Socioambiental (ISA), organizações da sociedade civil e partidos de oposição já avaliam apresentar uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a alteração na legislação.

O que muda com a aprovação

O PL 2.510 transfere a responsabilidade da proteção de para as prefeituras e seus planos diretores e leis de uso do solo pela decisão, que pode até mesmo eliminar por completo a faixa não edificável. Todas as emendas da oposição, como garantir o mínimo de 30 metros de proteção previstos no Código Florestal e fixar o marco temporal em 2012, a última atualização da lei, foram rejeitadas, assim como as inclusas no Senado.

Em conjunto com o PL 2.510, foram analisadas outras propostas, como o PL 1.869, que foi incorporado ao 2.510. Nela, estava prevista a mudança no marco temporal para 2021: todas as construções irregulares até abril deste ano estarão regularizadas após a sanção da lei, ainda devendo compensação ambiental. O marco atual é de 2008.

Após a muito provável sanção presidencial, o PL passará aos municípios o poder de gerir e fiscalizar as faixas de proteção, ouvidos os conselhos estaduais, municipais ou distrital de meio ambiente e os planos diretores. A proposta ainda estabelece que a definição da área protegida deverá seguir as diretrizes dos planos de recursos hídricos, de bacia, de drenagem ou de saneamento básico, se houver.

Mas águas não se limitam a fronteiras: a maioria dos rios e córregos não nasce e morre dentro do mesmo município. Se a gestão das APPs for municipal, incongruências entre a proteção do mesmo corpo d’água em cidades diferentes trarão ainda mais impactos para os ecossistemas.

Outro problema da municipalização é que, nas cidades, principalmente pequenas, a estrutura de regulamentação e fiscalização não é forte. Elas terão dificuldade em montar bons corpos técnicos e travar uma discussão mais qualificada do assunto – assim, ficarão mais vulneráveis à pressão de interesses de exploração das cidades, ainda mais com a autorização da supressão total da faixa não edificável.

Cidades, águas e áreas verdes como mercadoria

A paisagem em torno das águas que correm pelas cidades brasileiras ilustra questões socioeconômicas bem distintas: a falta de proteção é extremamente comum, mas pode estar ligada à vulnerabilidade social e à falta de acesso à habitação, com moradias irregulares, de um lado, e à especulação imobiliária, com edifícios comerciais, condomínios e rodovias de outro.

No caso do projeto de lei 2.510, o interesse de exploração das margens de rios em detrimento de seu papel ecossistêmico e urbanístico, demonstra a exploração desenfreada das cidades a todo custo, sem perspectiva a longo prazo, sempre em busca de lucro.

O projeto de lei 2.510 faz parte de um projeto de flexibilização e fragilização do Código Florestal por parte da bancada ruralista, desde a reforma da lei em 2012. Segundo o ISA, “a mudança da lei anistiou milhões de hectares de desmatamentos ilegais e é considerada um dos principais incentivos à retomada do ritmo de destruição da floresta na Amazônia, após oito anos de quedas dos números”.

Leia a matéria sobre o PL 2.510 nas páginas 22 e 23 da versão digitalizada da Revista Manuelzão 90:

Revista Manuelzão 90

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