Em plena crise hídrica, Vale quer expandir cavas em Nova Lima que ameaçam abastecimento da Grande BH - Projeto ManuelzãoProjeto Manuelzão

Em plena crise hídrica, Vale quer expandir cavas em Nova Lima que ameaçam abastecimento da Grande BH

24/09/2021

Minas Tamanduá e Capitão do Mato ficam a centenas de metros da Estação Ecológica de Fechos, responsável pelas águas que abastecem quase 300 mil pessoas

A Vale anunciou, no dia 3 deste mês, o projeto de ampliação das cavas das minas Tamanduá e Capitão do Mato, que fazem parte do Complexo Vargem Grande. As obras afetarão ainda mais as nascentes, florestas, animais e o solo da Estação Ecológica de Fechos (EEF) e de toda a região. A unidade de conservação está localizada em Nova Lima e suas águas abastecem 280 mil pessoas na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH).

O Manuelzão fez uma série de matérias sobre a Estação Ecológica de Fechos, em razão do projeto de lei que tramita na Assembleia Legislativa de Minas Gerais para expandi-la, sobre a importância de sua expansão, os 10 anos de mobilização social e o que ela simboliza para o estado.

Uma audiência pública, fase obrigatória do processo de licenciamento ambiental, foi convocada para terça-feira, dia 28 de setembro, de forma virtual (e possibilidade de participação presencial de moradores do entorno). Mas ela possui caráter estritamente consultivo: mesmo que a comunidade recuse o projeto, ela não tem poder deliberativo. Além disso, recentemente o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) ajuizou ações solicitando o adiamento e cancelamento de audiências públicas virtuais por entender que, de forma remota, as audiências não garantem a participação plena da sociedade e violam o direito à informação dos processos ambientais.

Visão aérea da Estação Ecológica de Fechos. Foto: João Marcos Rosa / Agência Nitro

A estação ecológica fica na BR-040, de frente para o bairro Jardim Canadá, em Nova Lima, e faz divisa com o condomínio Vale do Sol e as minas da Vale Tamanduá, Capitão do Mato (ambas a sudeste) e Mar Azul (ao norte). Cerca de 70% do reservatório da estação de tratamento da Copasa Morro Redondo, que atende 38 bairros da capital mineira, vem dos cursos d’água localizados em Fechos. Além do ecossistema da estação ecológica, os moradores de diversos bairros e condomínios da região do Complexo Vargem Grande sofrerão com mais problemas de conforto e saúde ocasionados pela poluição sonora e do ar.

O projeto da Vale, além da ampliação das duas cavas, cujas áreas aumentarão em 96,3 e 456,8 hectares, respectivamente, inclui a expansão da pilha de disposição de estéril (material não aproveitado), obras em trechos da estrada de acesso a Honório Bicalho e realocação de linhas internas de transmissão de energia e subestações. Serão gerados 159,5 milhões de toneladas de estéril, que serão depositadas em grandes pilhas próximas aos bairros e condomínios da região. As minas têm 16 anos de vida útil. As obras estão sendo amplamente divulgadas pela empresa como oportunidades de geração de renda e emprego para Nova Lima.

Entardecer em Fechos. Foto: João Marcos Rosa / Agência Nitro

“As cavas da Vale são enormes e já rebaixaram significativamente os aquíferos da região, é injustificável impactar ainda mais esse patrimônio natural”, afirma Marcus Vinicius Polignano, coordenador do Projeto Manuelzão e secretário do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas. “O Quadrilátero Ferrífero é também um quadrilátero aquífero. E ele já sofre com o comprometimento da recarga. A crise hídrica que vivemos não é só um problema momentâneo de falta de chuvas, mas estrutural. Precisamos entender que a recarga das bacias hidrográficas é uma questão sistêmica.”

Uma manifestação contrária ao projeto da Vale foi marcada para sábado (amanhã), às 10h, no Vale do Sol, em frente à escola Aracê.

Impactos à vista

Segundo o relatório de impacto ambiental (RIMA) da Vale, documento exigido no processo de licenciamento, os impactos serão integrais, afetando todos os aspectos do ecossistema local: água, ar, solo, fauna e flora. Todo o território da EEF está na área indiretamente afetada pelas obras quanto aos recursos hídricos superficiais e subterrâneos, unidades de terreno, meio biótico e ruído. Parte da estação está na mancha de impacto na qualidade do ar. Além disso, cerca de 400 hectares de áreas naturais nas proximidades da estação se tornarão áreas modificadas pelo homem – sem contar com o território que já foi explorado pela Vale.

Área de influência da expansão da Vale nos recursos hídricos superficiais e subterrâneos (EEF assinalada em laranja). Fonte: Vale / Relatório de impacto ambiental.

O uso da água nas operações diminuirá ainda mais o nível dos aquíferos e a vazão dos cursos d’água, que já sofreram reduções com a atividade minerária. A mineração de áreas que escoam para o córregos de Fechos, e dele para o ribeirão Macacos, afluente do rio das Velhas, irá reduzir o volume de água que flui para a bacia de Fechos. A qualidade da água e a vida aquática serão afetadas pelo lançamento de efluentes e a retirada de vegetação, avanços de lavra e remoção de minério, que expõem o solo à ação das chuvas e à contaminação.

A perda de cobertura vegetal também afeta o habitat de animais silvestres, que inclui espécies ameaçadas de extinção, como lobos-guará, onças pardas e jaguatiricas. Áreas de manchas florestais se tornarão vegetação de borda, menos protegida de interferência externa, o que afeta negativamente seus parâmetros físicos, químicos e biológicos.

Segundo o RIMA, 401,01 hectares de cobertura vegetal serão perdidos. A título de comparação, esse é o dobro da área definida para ser adicionada à Estação Ecológica de Fechos no projeto de lei que pleiteia sua expansão. Fruto de 10 anos de mobilização do movimento de moradores da região Fechos, Eu Cuido! pela proteção da EEF, o PL tramita na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, sob a autoria da deputada Ana Paula Siqueira (Rede), e já foi aprovado nas comissões e segue para votação em plenário. Hoje ela tem 602 hectares.

Foto: João Marcos Rosa / Agência Nitro

Corredores ecológicos, áreas absolutamente fundamentais para a conservação das unidades de proteção e preservação da flora e fauna, que conectam fragmentos de vegetação que servem de moradia e espalhamento de sementes para os animais, também serão perdidos. O aumento de atropelamentos pelas máquinas e veículos da obra também ameaça a vida dos animais da região. 

Uma das adições mais importantes à EEF seria o córrego Tamanduá, a leste da estação, responsável por abastecer o ribeirão Macacos, importante afluente do rio das Velhas. Hoje, ele já se encontra assoreado em pontos de seu curso, sofrendo com a seca.

Contrariando os preceitos do desenvolvimento sustentável e da preservação do meio ambiente, num momento em que todos sofrem com os efeitos da crise hídrica, a Vale demonstra agir na contramão do que é melhor para as populações de Nova Lima e Belo Horizonte. Tudo isso, cinco anos após o rompimento da barragem em Mariana e dois anos após o rompimento em Brumadinho, que comprometeram os sistemas Paraopeba e do Rio Doce.

Gavião-pega-macaco (Spizaetus tyrannus) na EEF. Foto: João Marcos Rosa / Agência Nitro

Júnia Borges, que é fundadora do movimento Fechos, Eu Cuido! e participou do Plano de Manejo da Estação Ecológica de Fechos, lembra que, atualmente, a única fonte de água segura para a RMBH é o Rio das Velhas, que está em situação de calamidade. 

“Há um mosaico de unidades de conservação, criadas para preservar a biodiversidade numa região com tanta mineração. Além da questão hídrica e da perda de vegetação, os animais estão encurralados”, afirma a doutora em arquitetura e urbanismo. “A Vale não tem feito um bom trabalho em relação à segurança da comunidade em seu entorno. A questão da barragem B3/B4 em Macacos, em risco de rompimento, ainda não foi resolvida. Não tem clima para discutir expansão”, completa.

Expansão da Estação Ecológica de Fechos

Tramita na Assembleia Legislativa de Minas Gerais um dos projetos de lei mais importantes para a segurança hídrica da RMBH. O PL 96/2019, que expande a área da Estação Ecológica de Fechos, de autoria da deputada Ana Paula Siqueira (Rede), foi aprovado pela Comissão de Meio Ambiente no dia 25 de agosto e está pronto para ser votado em primeiro turno em plenário. Ele já existe há 10 anos, graças à mobilização do movimento Fechos, Eu Cuido! pela preservação e expansão da área da estação ecológica, mas só agora está sendo apreciado na ALMG. “Projetos tramitam por prioridades políticas, às vezes para atender a certos grupos. Fechos não recebeu essa atenção”, pontua a deputada Ana Paula Siqueira.

O texto do PL prevê mais 222 hectares para a EEF, o que inclui quatro nascentes, capazes de abastecer mais 80 mil pessoas na região centro-sul da Grande BH, além de 59 hectares de florestas e a formação de um corredor ecológico com . Segundo a deputada, “precisamos pensar no cuidado com a água como garantia de direitos da população e Minas Gerais pode dar um passo à frente ampliando Fechos.” Para ela, é preciso abrir um precedente para um tratamento mais definitivo do tema.

O território indicado para a ampliação de Fechos é a única área adjacente à estação ecológica não ocupada por loteamentos ou atividade minerária.

Conheça a Estação Ecológica de Fechos nas imagens do fotógrafo João Marcos Rosa, que é morador da região e membro do Fechos, Eu Cuido!:

Matéria de Mariana Lage

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