Maior mobilização de povos indígenas do país ocupa Brasília por dez diasProjeto Manuelzão

Maior mobilização de povos indígenas do país ocupa Brasília por dez dias

13/04/2022

Em sua 18º edição, Acampamento Terra Livre reúne milhares de indígenas em frente ao Congresso Nacional pleiteando a demarcação de seus territórios

ATL em Brasília / Foto: Greenpeace

“Retomando o Brasil: Demarcar Territórios e Aldear a Política”, esse é o mote da maior mobilização dos povos indígenas do Brasil, o Acampamento Terra Livre (ATL), que teve início na última segunda-feira, 4. O acampamento reúne milhares de indígenas de todo o país em Brasília até a quinta-feira, 14. 

Trata-se da 18ª edição do ATL, que retorna este ano após dois anos de atividade exclusivamente online devido à pandemia da covid-19. Com início no ano de 2004, o ATL traz a demarcação dos territórios como principal bandeira do movimento indígena. 

O acampamento deste ano ocorre em meio a um conjunto de ofensivas contra os direitos indígenas, que vêm sendo defendidas pelo governo federal. Durante o período do acampamento, o Congresso Nacional pauta a votação de projetos que violam os direitos dos povos indígenas, como o PL 191/2022.

“Vamos falar das principais medidas anti-indígenas e do pacote destrutivo que está tramitando nos Três Poderes. Vamos falar dos impactos da mineração, do garimpo, do desmatamento, que estão trazendo violência, conflitos e insatisfação entre nossos povos indígenas”, afirmou Sônia Guajajara, coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), em entrevista coletiva.

Até então, cerca de 7 mil indígenas de mais de 200 povos já se reuniram e marcharam até o Congresso Nacional. Cada um dos povos selecionou um espaço onde realizam atividades diárias, incluindo pinturas corporais, venda de artesanatos, apresentações de danças típicas e debates coletivos sobre diversos temas ligados à causa. 

O pacote anti-indígena do governo

Os projetos em tramitação no Congresso chamam a atenção e causam preocupação em ambientalistas e povos tradicionais. Cinco projetos de lei se destacam, conhecidos como “combo da morte”, por serem altamente nocivos ao meio ambiente e prejudiciais aos direitos dos povos indígenas. 

“Desde os primeiros dias desse governo estamos gritando e denunciando as perseguições contra os povos indígenas. São inúmeras ameaças em virtude da não demarcação de nossas terras, além do desmatamento e invasão dos nossos territórios. Quando não são as perseguições contra nossas lideranças que se opõem a esse desgoverno de Jair Bolsonaro é o Congresso que tenta com a tinta da caneta nos massacrar”, reforça Guajajara.

Embora não seja o único, o principal projeto a ser combatido pelo ATL é o PL 191/2020, aprovado por 279 votos a 180 na Câmara dos Deputados no dia 9 de março de 2022. O requerimento, de responsabilidade do deputado Ricardo Barros (PP-PR), vai ao plenário para votação nos dias 12 e 13 de abril. Esse PL abre as terras indígenas para a exploração em grande escala por mineradoras, hidrelétricas e outros empreendimentos. Prioridade do governo Bolsonaro, a Câmara dos Deputados aprovou a urgência para votação da proposta sem a devida discussão em comissões. 

Foto: Brasil de Fato/Andressa Anholete

O marco temporal também é destaque nas pautas do acampamento.  Em suma, a tese de interesse do agronegócio, garimpeiros, grileiros etc, “congela o tempo” e defende que apenas podem ser demarcadas as terras nas quais comunidades indígenas já viviam desde outubro de 1988, data da promulgação da atual Constituição. 

O julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), que servirá de modelo para decisões futuras sobre a questão, tem como objeto a ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng, que reside junto dos povos Guarani e Kaingang na terra indígena (TI) Ibirama-La Klãnõ. O julgamento afetará diretamente quase 200 mil indígenas, que lutam pela demarcação de 303 terras no país.

A tese do marco temporal tem origem no argumento do relator do julgamento da homologação da terra indígena Raposa Serra do Sol, Carlos Ayres Britto, ocorrido em 2009. Na ocasião, ele firmou a data de promulgação da Constituição como “insubstituível referencial para o reconhecimento, aos índios, dos direitos sobre as terras que tradicionalmente ocupam”. Contudo, Britto também frisou o trecho “terras que tradicionalmente ocupam” como forma de invalidar “aquelas que venham a ocupar”, assim como “as terras já ocupadas em outras épocas, mas sem continuidade suficiente para alcançar o marco objetivo de 5 de outubro de 1988”.

Também preocupa o PL 6.299/2002,, conhecido como “PL do Veneno”, que define sobre o uso e flexibilização da regulamentação de agrotóxicos e pode gerar danos permanentes e irreversíveis ao meio ambiente.

Já o PL 2.633/2020 é responsável por alterar normas relacionadas à ocupação de terras públicas federais, legalizar ocupações irregulares e beneficiar grileiros, e, junto ao PL 510/2021, são conhecidos como parte do “PL da Grilagem”. O principal risco dos PLs da Grilagem é que permitem uma espécie de autodeclaração aos proprietários de que estes atendem às determinações da lei para adquirir regularização, possibilitando a fraude de documentos para terras indígenas, quilombolas ou da União, e deixando ainda mais vulneráveis os indivíduos do lado mais fraco dessa disputa. 

Por último, mas tão alarmante quanto, o PL 3.729/2004, que simplifica e flexibiliza as normas de licenciamento ambiental no Brasil. Todos estes projetos estão na lista de prioridades anunciada pelo governo federal.

Carta aberta contra PL 191

Integrantes da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Povos Indígenas da Câmara e Senado estiveram na plenária do ATL para divulgar uma carta aberta, escrita em português, inglês e espanhol,  denunciando os riscos e inconstitucionalidades do projeto que libera a mineração sem permitir aos povos indígenas a decisão final sobre seu próprio território. 

Mobilização em Brasília / Foto: APIB

“O povo brasileiro tem o dever de conhecer os graves impactos econômicos, sociais e ambientais que poderão decorrer da aprovação do Projeto de Lei (PL) nº 191/2020, não somente para os povos indígenas, mas para todos nós”, afirmam no texto, convocando os parlamentares a barrar o projeto.

Cada um dos participantes leu um trecho do documento, disponível para leitura e assinaturas online

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