09/04/2025
Acordo assinado com mineradora MGB prevê construção de estrada dentro do parque para escoamento de rejeito; “falta de clareza levanta dúvidas sobre real finalidade”
Texto atualizado às 14h57 desta quinta-feira, 10/04/2025.
Moradores do distrito de Casa Branca e regiões próximas em Brumadinho se reuniram nesta segunda-feira, 8, para uma reunião do conselho consultivo do Parque Estadual da Serra do Rola-Moça. O objetivo era discutir o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado entre a Mineração Geral do Brasil (MGB) e órgãos públicos, sem conhecimento das comunidades, que prevê a recuperação de duas barragens no entorno do parque, mas inclui a contestada construção de uma estrada dentro da unidade de conservação (UC) para o escoamento dos rejeitos.
Há preocupação de que o descomissionamento das barragens, isto é, a eliminação da função das estruturas de reter rejeitos e água, seja acompanhada de mais exploração de ferro. Elas estão localizadas na Zona de Amortecimento do parque, área no entorno da UC em que são aplicadas normas especiais para evitar prejuízos aos objetivos de conservação. Apesar da ausência de quórum para a realização da reunião, os moradores pressionaram representantes do Instituto Estadual de Florestas (IEF) e questionaram a legalidade e justificativa do acordo.
Além do impacto das obras nas barragens, é planejada a construção de uma estrada dentro do parque para a retirada do material, o que alarma moradores e movimentos ambientalistas tanto pelos danos imediatos à fauna e à flora quanto pela possibilidade de estimular e facilitar a retomada da exploração da MGB na antiga mina de Casa Branca, desativada desde 2001. Em 2016, a mineradora deu entrada em um processo de licenciamento ambiental com esse objetivo.
Integrantes dos movimentos Rola-Moça Resiste e Águas e Serras de Casa Branca afirmam que, desde fevereiro, protocolaram pedidos na Prefeitura de Brumadinho solicitando informações sobre o assunto, sem retorno até agora.
Camila Leal, advogada, representante do Movimento Águas e Serras de Casa Branca e conselheira do parque, apontou inconsistências nos dados apresentados pela MGB. “O primeiro ponto que causou estranhamento foi o volume discrepante de material a ser removido. As duas estruturas de contenção totalizam, juntas, um volume de 836 mil metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro. O volume que a empresa está apontando para fazer a retirada é de 3,6 milhões de toneladas. Essa falta de clareza levanta dúvidas sobre a real finalidade da intervenção e se há interesse comercial por trás da operação”.
Ela também questionou por que o próprio material retirado não pode ser aproveitado na recuperação ambiental da área, evitando o transporte dos rejeitos, ainda mais dentro do parque. O IEF alegou que uma legislação impede o uso de materiais com valor comercial nesse processo, mas não informou qual norma se aplicaria.
Camila contesta a justificativa. “O Decreto nº 97.632/1989 exige um plano de recuperação para áreas degradadas, sem vedar o uso de materiais provenientes da própria área. O Código Florestal e a Lei do SNUC [Sistema Nacional de Unidades de Conservação] estabelecem diretrizes para a recuperação ambiental, mas não impõem restrições quanto ao uso de materiais com valor econômico. A justificativa apresentada pelo IEF carece de embasamento legal concreto”.
A advogada lembrou ainda que a legislação ambiental, especialmente a do SNUC, veda atividades de alto impacto em áreas protegidas. “Qualquer intervenção dentro do Parque Estadual da Serra do Rola-Moça deveria ser submetida à rigorosa análise de viabilidade ambiental e social. No entanto, a justificativa para a intervenção parece se apoiar seletivamente em legislações que favorecem a operação da mineradora, enquanto ignora as restrições impostas pelo próprio SNUC para a preservação da área.”

Vista da área da MGB no Rola-Moça em abril de 2021; abaixo à esquerda nota-se um container da mineradora. Foto: Rola-Moça Resiste.
O TAC que está no centro da situação foi assinado em 2023 entre a MGB, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e o Ministério Público Federal (MPF), sem conhecimento prévio da população local. Esse tipo de acordo é um instrumento para que o violador de determinado direito coletivo se comprometa a reparar suas ações e atender às exigências legais, evitando a ação judicial.
O objetivo, segundo a Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam), vinculada à Semad, é a descaracterização das barragens B1 e B2 da MGB, na zona de amortecimento do parque, conforme exigência legal.
No fim do último mês, uma apuração do portal O Fator revelou que o ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles (Novo), representou a MGB em negociação sobre os termos para a construção da estrada em reunião com um grupo de trabalho do conselho do parque. Atualmente deputado federal por São Paulo, Salles é lembrado pelo infame mote “ir passando a boiada”, com o qual defendeu em reunião ministerial aproveitar a atenção da mídia à época voltada para a pandemia de covid-19 para simplificar normas ambientais e aprovar empreendimentos “de baciada”.
Na manhã desta segunda-feira, horas antes da reunião do conselho consultivo do parque, moradores, assessores parlamentares e movimentos ambientalistas, entre eles o Projeto Manuelzão, se reuniram com o promotor João Paulo Alvarenga Brant para cobrar explicações do órgão sobre a assinatura do TAC. Coordenador do Manuelzão, o professor Marcus Vinícius Polignano esteve presente na reunião e condenou a assinatura “sem que a sociedade civil tenha sido chamada para participar da construção do acordo. Mesmo o Instituto Guaicuy [ONG de apoio às atividades do Projeto Manuelzão], que era parte em uma ação civil pública sobre a atuação da MGB não foi informado”.
Ele também destacou que o termo “é praticamente o que a mineradora queria inicialmente, em 2016, que é uma atividade minerária no entorno do parque, inclusive com a construção de uma estrada dentro de área de preservação integral”. Na reunião com o promotor, Polignano sublinhou que os movimentos “vão permanecer nesse estado de luta e atenção”.
Também foi apresentada na reunião com o MPMG uma ação popular movida pelo advogado do movimento Rola-Moça Resiste, Guilherme Carvalho, contra o IEF e dirigentes da estrutura ambiental no estado. O órgão é o responsável pela gestão da unidade de conservação. A ação se estende ao diretor do IEF, Antônio Augusto de Melo Malard, ao presidente do conselho consultivo do parque, Henri Dubois Collet, e à secretária de Meio Ambiente, Marília Carvalho de Mello, comandante da pasta a qual o IEF está vinculado.
É apresentado o trecho de um relatório elaborado em 2021 pela MGB, quando a mineradora teve suas intervenções em uma das barragens paralisadas pela Justiça Federal, em que a MGB, ressalta a ação, “deixa claro que seu intuito é a retomada da atividade minerária. “Os réus”, lê-se na ação, “são responsáveis de forma direta e/ou indireta pela administração e conservação do Parque Estadual da Serra do Rola-Moça. […] Referida Unidade de Conservação está sob séria e grave ameaça, colocando em risco o meio ambiente.”

Moradores encheram auditório do parque para acompanhar a reunião do conselho consultivo. Foto: Matheus Dias / Projeto Manuelzão.
Outras parlamentares também entraram na discussão. A deputada federal Duda Salabert (PDT) e as deputadas estaduais Bella Gonçalvez (Psol) e Beatriz Cerqueira (PT) estão acompanhando o caso e foram representadas por assessores parlamentares no encontro no MPMG e na reunião do conselho consultivo. Bella e Beatriz anunciaram que protocolaram nesta quarta-feira, 8, a requisição de uma audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais a respeito da situação.
Em manifesto divulgado pelo movimento Rola-Moça Resiste, os moradores exigem a garantia da segurança hídrica, da qualidade do ar e da preservação ambiental. “É essencial que o parque seja protegido. Por isso, a participação das comunidades, das ONGs, dos movimentos socioambientais, da imprensa e demais interessados na manutenção da qualidade de vida é fundamental”, diz o texto. A comunidade enfatiza que deseja ver a área recuperada e reintegrada ao parque, livre de novas ameaças da mineração.
Criado em 1994, o Parque Estadual da Serra do Rola-Moça abrange 4.015 hectares entre os municípios de Brumadinho, Belo Horizonte, Nova Lima e Ibirité. A unidade de conservação de preservação integral é um dos principais pontos de lazer e contemplação da natureza da Grande BH, além de guardar várias nascentes e seis mananciais que contribuem para o abastecimento de água da capital mineira e cidades vizinhas. A Serra do Rola-Moça, visível de vários pontos da capital, é uma extensão da Serra do Curral, tombada como monumento natural, paisagístico, artístico e histórico.