Traçados alternativos do rodoanel tentam salvar áreas de conservação e sistema de abastecimento da Grande BH - Projeto ManuelzãoProjeto Manuelzão

Traçados alternativos do rodoanel tentam salvar áreas de conservação e sistema de abastecimento da Grande BH

14/07/2021

Proposta da prefeitura de Betim prevê contorno dos limites de Várzea das Flores e proposta da Associação Mineira de Defesa Ambiental evita áreas de conservação nas serras do Rola-Moça e da Calçada

Dois trajetos estão em debate para a mudança do desenho do Rodoanel Metropolitano de Belo Horizonte, que teve o lançamento do edital de concessão adiado para novembro deste ano, por falta de “maturidade técnica”. Isso porque o trajeto proposto pelo governo de Romeu Zema (Novo) para o projeto, embora seja custeado com recursos de compensação ambiental, passa por cima do patrimônio ambiental e histórico-cultural de Minas Gerais.

Leia a matéria Trajeto proposto para rodoanel compromete patrimônio ambiental, hídrico e histórico-cultural da Região Metropolitana de Belo Horizonte na página 22 da Revista Manuelzão 88.

Entre as alternativas, uma proposta da Prefeitura de Betim amplia o traçado em 12 quilômetros para não prejudicar Vargem das Flores, importante reservatório que abastece os municípios de Betim, Contagem e Belo Horizonte e é contribuinte para a sub-bacia do rio Paraopeba, destruída pelo rompimento da barragem da Vale, em 2019. Outro traçado foi proposto pela Associação Mineira de Defesa Ambiental (Amda), visando impedir a construção de túneis na Serra do Rola-Moça e na Serra da Calçada, ambas áreas de conservação da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH).

O rodoanel será custeado com parte da verba do acordo de reparação pelo rompimento da barragem da Mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho, firmado em fevereiro, entre o governo de Minas, Instituições de Justiça e a mineradora Vale e que não contou com a participação das pessoas atingidas. Dos R$37,69 bilhões de indenização previsto no acordo, R$ 3,75 bilhões serão destinados às obras do Rodoanel, ainda que o projeto não tenha relação com a região e as comunidades atingidas pelo rompimento.

Após período de consulta pública, foram entregues 650 sugestões, além dos sete traçados diferentes que deram origem ao atual. Dentre as opções, duas serão estudadas durante os próximos meses por modificarem custos e prazos programados.

Defesa de Vargem das Flores

Vargem das Flores é um dos pontos de conflito para o traçado do Rodoanel. Foto: Oswalney Costa Galvão

A proposta da Prefeitura de Betim modifica a trajetória do Rodoanel após Casa Branca, em Brumadinho. Em vez de passar pela Serra da Moeda, indo para Ibirité, a proposta move o curso para Sarzedo e Mário Campos, escapando das áreas centrais das cidades e contornando Vargem das Flores até Contagem e Ribeirão das Neves. Esse percurso tem 51 quilômetros e aumenta em 12 quilômetros o projeto original.

O principal interesse das prefeituras locais, principalmente a de Contagem, é resguardar Vargem das Flores. O abastecimento da região metropolitana depende essencialmente de dois mananciais, o rio das Velhas e o rio Paraopeba. A bacia do Rio das Velhas funciona a partir de captação a fio d’água, sem reservatório, em Bela Fama. Já o Paraopeba funciona por captações com reservatórios em Rio Manso, Serra Azul e Vargem das Flores.

Então, Vargem das Flores é parte desse tripé que sustenta o sistema de abastecimento metropolitano. O Paraopeba consegue proporcionar uma dinâmica de planejamento para a segurança hídrica mais forte ao longo do tempo, em palavras do membro do CBH Rio das Velhas Rodrigo Lemos. Logo, ameaçar Vargem das Flores é ameaçar a segurança hídrica da RMBH, principalmente após os impactos do rompimento em Córrego Feijão na sub-bacia do Paraopeba.

A proposta da Amda

Já a proposta da Amda, passa pelo Barreiro e Ibirité, tendo como ponto de acesso o trevo da Vallourec/MannesMann, no bairro Olhos D’Água. A transposição seria a uma distância de 13,5 quilômetros, pela Serra da Moeda, após o bairro Jardim Canadá. Dois benefícios pleiteados pelo órgão são um acréscimo de 1,5 mil hectares ao Parque Estadual do Rola-Moça e a união do parque à Área de Preservação Especial do Rio Manso.

A principal preocupação do órgão é o impacto dos túneis de 4 km que passarão por dentro das Serras. As consequências no Aquífero Cauê podem secar 40 nascentes na região. 

Traçado do Rodoanel prevê túneis nas serras do Rola-Moça e Calçada. Foto: Tiago Degaspari

Além da mudança de traçados

Os dois estudos agem sobre o impacto hídrico e ambiental que o rodoanel causa, mas, é importante lembrar que o traçado passa também por regiões de sítios arqueológicos, cavernas com pinturas rupestres, cemitérios escravos e comunidades quilombolas. O trajeto atual divide bairros e vizinhanças, isola escolas e ainda precisa responder a algumas exigências para que não aumente a distância percorrida por motoristas e deixe de ser proveitoso como obra de infraestrutura. A cobrança de pedágio decorrente da parceria público-privada que será concedida no projeto também é alvo de críticas. 

Mesmo que o atual anel rodoviário não se torne obsoleto, outro ponto essencial para o projeto é pensar no adensamento populacional que pode ocorrer concomitantemente à rodovia, gerando ocupações irregulares e mais insegurança habitacional. O fluxo de uma rodovia que é planejada originalmente para veículos pesados e trânsito rápido ser somado ao fluxo regional também é um risco aos objetivos da obra, já experimentado na BR 040, causando mais acidentes.

Por enquanto, os benefícios de um projeto imposto na surdina são incertos.

Não há possibilidade de expandir a cidade sem pensar na qualidade de vida. Belo Horizonte tem seus recursos de captação de água lesionados desde o rompimento da barragem no córrego do Feijão, que afetou diretamente o sistema de abastecimento do Paraopeba. E mesmo com o alerta de crise hídrica, permanecemos retirando mais do que o permitido legal para a Bacia do Rio das Velhas.

Por outro lado, sem garantir uma licitação rígida, é dada abertura para uma disputa de mercado que beira um leilão. “O Estado está tramitando papel, e não uma obra. É tão aberto para o mercado, que é um objeto de investimento. Assim, entende-se que ou já está dado como certo o traçado, ou é um leilão. Quem pagar mais vai levar” pontua Jeanine Oliveira, ambientalista integrante do Projeto Manuelzão.

Segundo a ambientalista, as mineradoras viram nesse processo uma oportunidade. Existe um interesse político que vai silenciando os debates: “houve um acordo político para ganhar com o rodoanel, é uma obra de promessa de campanha. O nosso anel rodoviário poderia ser melhorado antes disso”.

Acordo com a Vale financia Rodoanel

Deputados da Assembleia Legislativa de Minas Gerais rejeitaram nesta quarta-feira (14) a emenda 217 ao PL 2508/21 que era contrária à construção do Rodoanel como parte do acordo firmado entre a Vale e o Governo de Minas. A emenda era de autoria da deputada Beatriz Cerqueira (PT) e teve 59 votos discordantes contra 10 favoráveis.

Emenda que tentou retirar Rodoanel do PL que regula os usos do termo de reparação da Vale foi vetado. Foto: Assembleia Legislativa de Minas Gerais

O texto principal do projeto prevê investimentos como a construção de hospitais, compra de viaturas para as polícias e Corpo de Bombeiros, construção e reparação de estradas, dentre outros projetos estruturantes. O PL regulamenta o uso de R$ 11,06 bilhões do total de R$ 37,6 bilhões do acordo judicial, R$ 3,5 bilhões serão para o Rodoanel Metropolitano.

O destaque acrescentado na audiência de hoje foi o repasse de R$ 1,5 bilhão para os 853 municípios do estado, que receberão os valores por transferência direta, sob supervisão do Tribunal de Contas. As prefeituras receberão os valores proporcionalmente ao número de habitantes. Até 30 de agosto receberão 40% do valor e até o fim de janeiro mais 30%. O restante deverá ser depositado até julho de 2022. Belo Horizonte receberá R$ 50 milhões por ser o município mais populoso. Está proibido o uso da verba para pagar funcionários públicos.

Manifestantes do Movimento SOS Vargem das Flores e do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) ficaram acampados por três dias em ato de resistência contra o uso dos recursos de reparação em uma obra de interesse privado. Cerca de 70 famílias da Pastoral Metropolitana dos Sem-Casa também participaram da vigília com o objetivo de que 40 mil moradias fossem construídas com o restante da verba acordada.

Os movimentos defendem, essencialmente, que os recursos do Rodoanel sejam utilizados para promover a vida, o direito social, a moradia e a reparação ambiental. O restante dos R$ 26 bilhões do acordo é de uso exclusivo para ações previamente estabelecidas e não serão objeto de discussão e averiguação pública, entre elas o pagamento de auxílio emergencial e intervenções diretas de caráter social, econômico e ambiental.

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