Geradas pelos grandes, mudanças climáticas exigem planejamento e gestão local dos pequenos - Projeto ManuelzãoProjeto Manuelzão

Geradas pelos grandes, mudanças climáticas exigem planejamento e gestão local dos pequenos

16/09/2021

Impactos desconhecem fronteiras e alcançam municípios e regiões pouco poluentes; em Minas, governo adota plano de mudanças climáticas e ferramentas de gestão municipal

Nos últimos meses, tivemos alertas nacionais e mundiais da emergência das mudanças climáticas. A temperatura da Terra vai aumentar, pelo menos, mais 1,5ºC nos próximos anos, com mais eventos extremos, segundo o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC). Já o Observatório do Clima apontou em um relatório que o Brasil perdeu 15% da superfície de água nos últimos 30 anos. Por aqui, a pior crise hídrica dos últimos 90 anos nos assola, e a conta de energia já subiu. Em Minas, os cursos d’água minguam na pior seca em 111 anos.

As grandes emissões de gases de efeito estufa (GEE), principais responsáveis por esse quadro, têm nome e endereço: a queima de combustíveis fósseis, sobretudo nos setores de transportes e indústrias, o setor energético, a agropecuária, o desmatamento, as queimadas, bem como a disposição irregular de resíduos. Suas consequências ao meio ambiente, contudo, não se limitam ao local de origem: se expandem pelo mundo e atingem, mais gravemente, locais de maior vulnerabilidade, devido à falta de infraestrutura de proteção contra eventos extremos como enchentes, secas e incêndios. Por isso, é necessário encarar as mudanças climáticas não só como problema da ciência mas de política, gestão e planejamento.

Agropecuária é um dos segmentos que mais contribui para emissão de gases de efeito estufa – representa 39% das emissões de Minas Gerais e 28% do Brasil. Foto: Unsplash

Plano Estadual de Energia e Mudanças Climáticas

Em 2015, a Feam (Fundação Estadual de Meio Ambiente) construiu o Plano de Energia e Mudanças Climáticas (PEMC). Trata-se de uma política transversal de médio/longo prazo que visa promover a transição para a economia de baixo carbono, reduzir a vulnerabilidade às mudanças climáticas no território mineiro e articular com coerência as diferentes iniciativas governamentais.  Além do PEMC, a Feam também já publicou três edições do Inventário Estadual de Gases de Efeito Estufa, que será revisado até meados de 2022 e a Plataforma Clima Gerais, um ambiente de apoio aos municípios mineiros na descarbonização e adaptação territorial às mudanças climáticas.

Segundo Larissa Oliveira, engenheira de energia e coordenadora do Núcleo de Sustentabilidade, Energia e Mudanças Climáticas da Feam, o Plano traz estratégias de adaptação territorial para os municípios, além de ações de mitigação.

Larissa explica a diferença entre mitigação e adaptação. Ações de mitigação visam diminuir as emissões de gases de efeito estufa, portanto, são relacionadas aos setores emissores. Um exemplo de ação é a expansão das fontes renováveis na matriz energética, como solar e eólica, a fim de se fazer a transição energética para uma matriz de baixo carbono. A adaptação, por outro lado, é um ajuste em sistemas naturais ou humanos em resposta aos efeitos relacionados às mudanças climáticas, necessário para que qualquer território se torne mais resiliente, principalmente os mais vulneráveis.

O setor industrial representa 17% das emissões de gases de efeito estufa de Minas Gerais e 5% do Brasil. Foto: Unsplash

É urgente não só diminuir o impacto das emissões de GEEs – para que a temperatura média global e os eventos extremos não continuem aumentando -, quanto tornar os municípios mais capazes de responder a esses impactos. “Em um estado do tamanho de Minas Gerais, com 853 municípios, temos cidades com evoluções diferentes quanto à sua infraestrutura, portanto, para cooperar com o desenvolvimento de políticas relacionadas às mudanças climáticas, desenvolvemos uma plataforma focada em agentes públicos, para que eles possam ter meios de preparar seus municípios”, conta a engenheira.

A plataforma Clima Gerais, então, foi criada para difundir o conhecimento para gestores municipais. Traz conceitos básicos de mudanças climáticas, como aquecimento global e GEEs e apresenta boas práticas municipais e oportunidades de recursos financeiros para apoiar o desenvolvimento de ações. “Não é preciso inventar a roda. Já existem diversas ações factíveis no Brasil e no mundo. Além disso, como sabemos que o orçamento de pequenas prefeituras é baixo, trouxemos também ideias e oportunidades de financiamento”, pontua Larissa.

Enchentes em Minas Gerais no início de 2020 deixaram cerca de 38 mortos. Imagens: CBH Velhas

A Clima Gerais também conta com uma importante ferramenta, o IMVC: Índice Mineiro de Vulnerabilidade Climática. Ele assinala o grau de vulnerabilidade de um território a partir de indicadores ambientais, sociais e econômicos, disponível para todos os municípios mineiros. Segundo a engenheira, em conjunto com outras análises, a ferramenta auxilia na tomada de decisão.

A partir daí, foi desenvolvida outra ferramenta, a Clima na Prática, uma espécie de guia e suporte para a elaboração e implementação de políticas públicas municipais de combate às mudanças climáticas. A ferramenta oferece aos gestores municipais diretrizes para a elaboração de um Plano de Energia e Mudanças Climáticas Municipal, além de outras ações ou políticas voltadas para a mitigação e adaptação às mudanças climáticas.

Por meio de oito segmentos – estratégia, participação e cooperação, urbanismo e ambiente construído, agropecuária, cobertura vegetal nativa, gestão e produção de energia, gestão de riscos e mobilidade –, a Clima na Prática traz ações e o passo a passo para sua implementação, exemplos de boas práticas e referências de legislação. Um exemplo é a restauração florestal, já que as florestas “sequestram” o carbono e ajudam na adaptação do território para eventos extremos, como enchentes, por cooperarem para a permeabilização do solo.

“Não é uma receita de bolo”, ressalta Larissa Oliveira, “o município é que sabe mais da sua realidade, queremos ‘abrir a cabeça’ dos agentes municipais e mostrar também como as ações cooperam entre si. A tabela é customizável, outros tipos de ações que não estão previstas podem ser incluídas.” A ferramenta pode ser acessada aqui.

Casa destruída pela lama no interior de Minas Gerais, após enchente do início de 2020. Imagens: CBH Velhas

Em meados deste ano, o Governo de Minas Gerais, junto de alguns municípios mineiros, assinou, em cooperação com o governo britânico, a Race to Zero: uma campanha global de redução de emissões de gases de efeito estufa até 2050, com vistas para o cumprimento do Acordo de Paris, a descarbonização da economia e investimento em negócios sustentáveis. Para isso, o PEMC deverá ser atualizado. Mas não basta assinar: é necessário que o compromisso seja aplicado nas diferentes esferas de poder, na forma de políticas públicas.

Outros guias de gestão

No último mês, o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), iniciativa do Observatório do Clima, que publica relatórios anuais de emissões no Brasil, além de ter criado a plataforma SEEG Municípios, lançou o SEEG Soluções, um catálogo/guia de políticas públicas que podem ser adotadas para reduzir emissões de gases de efeito estufa nos municípios, de forma similar às estratégias do Clima na Prática. São 87 práticas, divididas entre os 5 setores de emissões (mudanças de uso da terra, agropecuária, energia, indústrias e resíduos). Segundo o documento, “o SEEG se propôs a mapear e compilar de maneira didática ações de mitigação e adaptação a nível local, a fim de promover o desenvolvimento sustentável com redução de emissões, instrumentalizando e engajando atores-chave para enfrentarem esse desafio.”

Matéria de Mariana Lage

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