05/01/2023
Acatando decisão da Justiça Federal, governo publicou suspensão da licença do complexo minerário no Diário Oficial do Estado, nesta quinta-feira, 5
O governo de Minas suspendeu as licenças concedidas ao complexo minerário que a Tamisa tenta instalar na Serra do Curral, em um trecho em Nova Lima, a apenas 150 metros do Pico Belo Horizonte, ponto mais alto e símbolo que estampa o brasão da capital. O ato da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Semad), publicado nesta quinta-feira, 5, no Diário Oficial do Estado, responde à decisão do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6), proferida em 15 de dezembro, determinando a suspensão.
Atropelando o processo de tombamento estadual da serra, o Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), subordinado à Semad, concedeu as licenças prévia e de instalação ao projeto da Tamisa em abril de 2022. Dos oito votos favoráveis, quatro foram dados por órgãos do governo de Romeu Zema (Novo), principal fiador do projeto junto da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg).
Desde então, a sociedade civil não cessou o protesto contra o que acredita ser uma ofensa à memória e à identidade do povo mineiro. Organizações ambientalistas, entre elas o Projeto Manuelzão, órgãos patrimoniais e as maiores universidades do estado, a UFMG e a PUC, opuseram-se ao projeto. Ações pedindo a suspensão da anuência foram movidas pelo Ministério Público de Minas Gerais, o Ministério Público Federal (MPF) e a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH).
A suspensão das licenças foi assinada 22 dias após a decisão da segunda instância da Justiça Federal que acatou uma ação civil pública ajuizada pelo MPF em junho. O órgão aponta que nem a empresa, nem os órgãos públicos estaduais consultaram a comunidade quilombola Manzo Ngunzo Kaiango, que fica na área de influência do projeto, durante o licenciamento ambiental. O desembargador federal Álvaro Ricardo de Souza Cruz concordou com o pedido e obrigou a suspensão imediata de quaisquer atividades realizadas pela mineradora no local.
A partir da assinatura decisão do TRF-6, o governo de Minas tem 30 dias para recorrer. O prazo se encerra no próximo dia 14.
Na decisão, o desembargador federal apontou que, além da “flagrante violação do direito à consulta dos quilombolas, fica também evidenciado que o início das atividades de instalação autorizados pelo Estado trazem risco direto e imediato à manifestação existencial da comunidade Manzo”.
Cruz também afirmou que “a discriminação positiva trazida pela exigência de uma consulta aos integrantes da comunidade Manzo Ngunzo Kaiango não só é lícita, como se faz imperiosa para que os Rostos destas pessoas não sejam invisibilizados, sendo necessário o cumprimento da Convenção [nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que obriga a consulta livre, prévia e informada de comunidades culturalmente diferenciadas]. A memória, a religiosidade, a liberdade e cultivo de práticas relacionadas com a natureza, dentre outros elementos, não podem ser desprezados a partir da supressão da consulta e do consenso que a Convenção exige”.
A instalação do projeto da Tamisa já estava suspensa, enquanto o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) conduzia audiências de conciliação entre mineradora, estado e prefeituras, sem a participação de organizações em defesa da Serra do Curral. Apontando a conivência do governo estadual com o poder econômico e a falta de real interesse na proteção da serra por meio do tombamento, a PBH se retirou das negociações e manifestou-se no STF.
O tombamento estadual é o principal instrumento capaz de garantir a preservação integral da serra em Belo Horizonte, Nova Lima e Sabará, em seus 12 quilômetros de extensão.
O Supremo, contudo, negou o pedido para que o tombamento da Serra do Curral seja avaliado pelo Conselho Estadual de Patrimônio Cultural (Conep), ligado ao Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha). Perto de deliberar sobre o tema, o Conep teve de retirá-lo de pauta em duas oportunidades, atendendo a decisões judiciais.
Custeado por um acordo judicial de 2013, que impunha medidas de compensação a uma construtora, o contrato para a elaboração do dossiê de tombamento estadual da Serra do Curral foi publicado em 2018. O trabalho começou em 2019, a cargo da consultoria Práxis, que venceu a licitação para a prestação do serviço. Os trabalhos foram acompanhados pelo MPMG e pelo Iepha e o dossiê, com mais de 1600 páginas, ficou pronto em dezembro de 2020.
O governo estadual manobrou para protelar a decisão do Conep sobre o assunto, justificando que a prefeitura de Nova Lima não se manifestou no processo, ainda que tivesse sido convocada a participar durante a elaboração do dossiê. Desde que o dossiê ficou pronto, dois presidentes do Iepha, cargo que garante a função de secretário-executivo do Conep, foram destituídos pelo governo de Romeu Zema, que afirmou que o perímetro de proteção seria revisto “à luz dos impactos ao desenvolvimento econômico”.
Uma carta aberta assinada por dez conselheiros e suplentes do Conep foi divulgada em março de 2022, afirmando que, apesar dos esforços, “têm encontrado fortes resistências do governo estadual para que este tombamento seja efetivado”.
A repercussão negativa da aprovação do empreendimento da Tamisa na Serra arranhou a imagem do governo Zema, que buscava a reeleição e que retrocedeu em seu apoio incondicional ao projeto. Através do Iepha, o governo decretou o tombamento provisório da serra, em junho, impedindo a mineradora de se instalar. A proteção deveria ser referendada pelo Conep mas, em duas ocasiões, o conselho foi impedido pela Justiça de votá-la. Desde então, o assunto é tratado nas audiências de conciliação conduzidas pelo TJMG.
A receita para a efetivação da proteção é a manutenção da mobilização da sociedade civil, de parlamentares, dos Ministérios Públicos e de todos e todas que não abrem mão da paisagem natural mais expressiva de Belo Horizonte e das histórias que ela engendra.