Gute Sicht tem operação na Serra do Curral suspensa após ser flagrada em múltiplas irregularidadesProjeto Manuelzão

Gute Sicht tem operação na Serra do Curral suspensa após ser flagrada em múltiplas irregularidades

08/10/2022

Ex-superintendente de Meio Ambiente, nomeado pelo governo Zema, foi exonerado após denúncia de esquema de favorecimento à mineradora

A exploração da mineradora alemã Gute Sicht na Serra do Curral está paralisada. Após a empresa avançar sobre área tombada em Belo Horizonte, suprimir vegetação preservada sem autorização e ser denunciada junto do governo estadual ao Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) por um esquema de favorecimento, foi suspendida, no último dia 29, a permissão concedida pelo governo de Minas as suas atividades.

A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) e o MPMG fiscalizaram o local, na divisa entre Belo Horizonte e Sabará, e autuaram a empresa. A operação não tem licença ambiental e é amparada apenas por um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), celebrado em maio de 2021 entre a mineradora e a Superintendência Regional de Meio Ambiente (Supram), órgão de fiscalização e regularização ambiental subordinado à Semad.

O TAC, dispositivo capaz de regularizar ambientalmente, de forma provisória, a operação de uma empresa, foi suspenso. A Gute tem 20 dias para apresentar recurso.

Após denúncias de exploração ilegal de moradores do bairro Taquaril, vizinho à área da Gute, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), em 26 de maio deste ano, interditou as operações e cobrou o pagamento de uma multa de $20 milhões da mineradora e do estado de Minas. A PBH apontou que a Gute minerava dentro dos limites da capital, onde a serra é tombada desde 1990 pela lei municipal. Apesar de o TAC permitir a exploração em uma área localizada em Sabará, o governo estadual manteve o aval para a Gute retirar cerca de 40 caminhões de minério por dia da serra.

Área da mina Boa Vista informada pela mineradora. Imagem: PBH.

Área real da mina Boa Vista segundo laudo da PBH; a linha em vermelho indica o limite entre BH e Sabará.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A partir daí, múltiplas irregularidades na atuação da mineradora vieram à tona, revelando também um esquema de favorecimento liderado pelo então superintendente Charles Soares de Sousa, soldado da Polícia Militar e engenheiro ambiental nomeado por Romeu Zema (Novo), no dia 1º de junho deste ano, para conduzir a Supram Central, divisão do órgão responsável pela Região Metropolitana de Belo Horizonte.

Uma denúncia foi apresentada ao Procurador-Geral de Justiça de Minas Gerais, Jarbas Soares Júnior, no dia 27 de setembro, narrando a série de eventos ilegais. O documento é assinado pela deputada federal Áurea Carolina (Psol), a deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT), a vereadora Bella Gonçalves (Psol), o Projeto Manuelzão, o Instituto Guaicuy e o Fórum Permanente São Francisco.

Assessor da mineração

A denúncia aponta que Sousa, soldado da Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG) desde 2017, foi nomeado para o cargo de Superintendente de Fiscalização na Semad, em 22 de julho de 2021. Ao ocupar tal posição, porém, daria diretrizes de fiscalização ambiental para superiores da PMMG, resultando em uma quebra da cadeia de comando. Após pressão da PMMG, instituição fortemente hierarquizada, a nomeação de Sousa foi tornada sem efeito dois meses depois.

Diário do Executivo, 2 de julho de 2021, página 2. Denúncia MPMG.

Apesar disso, o soldado passou a atuar diretamente na Supram Central sem vínculo formal. Documentos comprovam que Souza praticou atos administrativos nesse período, como a lavratura de autos, sendo referido como “assessor” do superintendente. Em 25 de maio deste ano, um convênio firmado entre PMMG e Semad autorizou a cessão do servidor e, em 1º julho, ele foi nomeado superintendente.

Observações no Auto de Fiscalização nº 219301/2022, lavrado no dia 11 de fevereiro de 2022. Imagem: denúncia MPMG.

Em 30 de maio, quatro dias após a ação da PBH que interditou a Gute, uma ação de fiscalização da própria Semad verificou que a mineradora prestou informações falsas no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e de fato explorava área dentro da capital. Um auto de fiscalização e um auto de infração foram lavrados e a Gute foi multada em pouco mais de R$ 53 mil, ou 11.250 Ufemgs, unidade fiscal do estado de Minas Gerais.

Ocorre que os autos e a multa foram cancelados por Souza. No dia 10 de julho, uma reunião na Cidade Administrativa foi convocada pela Supram para pressionar os servidores técnicos Priscilla Martins Ferreira, Vanessa Lopes de Queiroz Neri, Mariana Yankous Gonçalves Fialho, Karina Idemburgo e Felipe de Araújo Pinto Sobrinho a cancelarem o auto de infração. A equipe reafirmou sua decisão, baseada em estudos de georreferenciamento, mas Souza manteve o cancelamento e retaliou Priscilla, colocada longe da fiscalização ambiental.

Além de passar por cima do ato administrativo praticado pelos servidores competentes, não era da alçada de Souza a análise da autuação: segundo o regimento do órgão, no caso de multas abaixo de 60.503 Ufemgs, caso do auto lavrado em desfavor à Gute, a competência é da Diretora de Controle Processual da Supram, Angélica Aparecida Sezini. Souza teria competência de análise das multas acima desse valor.

Destruição em meio à proteção provisória

Após o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha) estabelecer o acuatelamento provisório da Serra do Curral, em 19 de junho, novas ações de fiscalização foram conduzidas na área da Gute pela Superintendência de Fiscalização da Semad, entre 11 e 14 de julho. Elas resultaram na lavratura de 16 autos de fiscalização e 8 autos de infração e na aplicação de 13 multas por supressão ilegal de uma área de 1.348 hectares de vegetação de campo rupestre ferruginoso, importantíssima para a recarga de aquíferos subterrâneos.

A empresa alegou a necessidade da realização de obras emergências de drenagem.

Exploração na mina Boa Vista. Imagem: PBH.

Em 25 de julho, vieram os panos quentes: Souza assina um termo aditivo ao TAC que permite a lavra a céu aberto no trecho que foi objeto das autuações. O aditivo, em suma, protegia a Gute Schit da responsabilidade por supressão ilegal de vegetação em área preservada e a realização irregular de operações de drenagem na área.

O então superintendente acabou exonerado em 20 de setembro, cinco dias após a PBH pedir ao Supremo Tribunal Federal (STF) informar à corte essa série de irregularidades e cobrar a realização imediata da reunião do Conselho Estadual de Patrimônio Cultural (Conep) que decidirá sobre o tombamento estadual da Serra do Curral. O aditivo foi cancelado e todos os atos administrativos de Souza estão sendo revisados.

Ex-funcionário de mineradora parceira

As suspeitas sobre a conduta de Souza agravam-se pelo fato de que, em 2019, ele atuou como engenheiro sanitarista e ambiental da Fleurs Global Mineração, empresa investigada pela operação Poeira Vermelha da Polícia Federal por mineração ilegal e outra dezena de crimes ambientais na Serra do Curral, que resultaram em prejuízo superior a R$ 40 milhões à União. A Polícia Federal apontou que Fleurs e Gute agiam em conluio e que elas têm um dono em comum: José Antônio Silva.

Equipe ambiental da Fleurs, que se apresenta em BH com o nome de Global Gestão de Resíduos. Imagem: denúncia MPMG.

Na lavratura de um auto de fiscalização em fevereiro deste ano, período em que o Souza atuava ilegalmente como “assessor” da superintendência, a vistoria realizada pela Semad na Fleurs foi acompanhada pelo Diretor de Meio Ambiente da empresa, Jaime Eduardo Fonseca, que tinha sido chefe de Souza apenas dois anos antes na mineradora.

Em reportagem de Allan Abreu do último dia 30, a Revista Piuaí repercutiu a denúncia e acrescentou elementos à trama. Segundo o jornalista, à época do seu trabalho na Fleurs, Sousa aproximou-se do deputado estadual Noraldino Júnior (PSC), aliado de Zema e conhecido lobista tanto da Fleurs como da Gute Sicht. Foi por influência do parlamentar, responsável pela nomeação de outros nomes de sua confiança para a Semad, que Sousa foi indicado em 2021 ao posto superintendente de fiscalização do órgão.

O texto da Piauí retoma a reportagem da revista Carta Capital que apontou que a subsecretária de Regularização Ambiental da Semad, Anna Carolina da Motta dal Pozzolo, presente na reunião com Souza e os cinco fiscais na Cidade Administrativa, já advogou para dezenas de mineradoras no estado. Sua indicação está ligada a Noraldino.

Providências

Na denúncia apresentada pelas parlamentares e organizações, os signatários cobram a cobram a apuração dos fatos, tanto comissivos quanto omissivos, por parte de toda a cadeia hierárquica da Semad do governo Zema, que “têm contribuído para a promoção de grave e irreversível degradação ambiental na Serra do Curral” e a responsabilização dos envolvidos nos âmbitos cível, administrativo e criminal por corrupção e desvio de finalidade.

“A contradição entre atos administrativos adotados com motivação técnica em contraposição a outros tomados posteriormente em benefício da mineradora – com evidente motivação política -, demonstra inequívoco afastamento da conduta de membros do governo de Romeu Zema dos princípios da primazia do interesse público, da razoabilidade, da isonomia e da boa-fé”, diz trecho do documento.

Os autores da denúncia também questionam por qual motivo o Iepha, mesmo após o acautelamento provisório e ciente da existência de atividades minerárias na região, não tomou as devidas providências para a proteção da Serra e cobram a apuração da responsabilidade da Secretaria de Estado de Cultura e Turismo.

Por fim, é pedido o imediato reconhecimento da quebra de cláusulas contidas no TAC que vinha viabilizando a continuidade das atividades minerárias da Gute Schit na Serra do Curral. O documento pode ser lido na íntegra, aqui.

 

 

 

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