Justiça permite que Gute Sicht retome exploração na Serra do Curral - Projeto ManuelzãoProjeto Manuelzão

Justiça permite que Gute Sicht retome exploração na Serra do Curral

04/11/2022

Decisão é assinada pelo juiz Rogério Santos Araújo Abreu, o mesmo que concedeu liminar favorável à mineradora Tamisa em apenas 8 minutos

Uma liminar concedida pela 5ª Vara da Fazenda Pública do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), na últuma sexta-feira, 28, autorizou a mineradora Gute Sicht a retomar suas atividades na Serra do Curral, na divisa entre Belo Horizonte e Sabará. A decisão foi assinada pelo juiz Rogério Santos Araújo Abreu, o mesmo que rejeitou três ações contra a mineradora Tamisa, que obteve licença para explorar a serra, e concedeu liminar favorável a empresa em apenas 8 minutos, impedindo o Conselho Estadual de Patrimônio Cultural (Conep) de deliberar sobre o tombamento provisório da Serra do Curral.

As operações na mina Boa Vista, da Gute Sicht, foram paralisadas no dia 29 de setembro, após ações de fiscalização da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), responsável pela permissão à atividade, e do Ministério Publico de Minas Gerais (MPMG). Fiscais constataram que a mineradora avançou sobre os limites da capital e suprimiu vegetação em área preservada sem permissão. O Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), dispositivo utilizado pelo governo do estado para permitir a exploração, prevê a lavra apenas dentro dos limites de Sabará.

Por esse motivo, em maio deste ano, a mina Boa Vista também já foi interditada pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), que cobra R$ 20 milhões em indenização da empresa e do governo de Minas, que manteve o aval para a exploração. À época, a mineradora já acumulava mais de R$ 1,2 milhão em multas por crimes ambientais.

A permissão às atividades também está em conflito com o acautelamento provisório da Serrra do Curral determinado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha), abrangendo integralmente o alinhamento montanhoso na capital, em Nova Lima e Sabará. A proteção segue em vigor enquanto o TJMG conduz audiências de conciliação entre representantes da Tamisa, do governo de Minas Gerais, do MPMG e dos municípios.

A PBH se retirou das negociações e acionou o Supremo Tribuna Federal (STF), em setembro deste ano, pedindo a efetiva preservação da serra, com a consequente suspensão do TAC que permite as atividades da Gute, enquanto caminha a conciliação. A PBH também denunciou a atuação do agora ex-chefe da Superintendência Regional de Meio Ambiente (Supram) responsável pela Região Metropolitana de BH, Charles Soares de Souza, indicado pelo governo de Romeu Zema (Novo) em 1º de julho deste ano para o posto.

Outra denúncia sobre a suspeita de favorecimento de Souza à Gute Sicht foi apresentada ao MPMG por parlamentares e organizações ambientalistas, entre elas o Projeto Manuelzão, reunindo mais elementos.

Área da mina Boa Vista da Gute Sicht; linha azul representa limite entre Sabará, à esquerda, e BH, à direita. Imagem: PBH.

O ex-superintendente é acusado de advocacia administrativa por ter cancelado ilegalmente autos de infração lavrados por fiscais da Semad em desfavor à Gute Sicht e de ter perseguido esses servidores. Posteriormente, Souza assinou um termo aditivo ao TAC, permitindo a lavra a céu aberto em um trecho que foi objeto de 8 autuações em novas fiscalizações. Também é apontado na denúncia que ele atuou como “assessor” por quase um ano dentro da Supram, sem ter vínculo formal e trabalhou para uma mineradora parceira da Gute, em 2019.

Souza foi exonerado após a manifestação da PBH junto ao STF. O termo aditivo que permitia o aumento da área de exploração foi cancelado e todos os atos administrativos do servidor estão sendo revisados.

Volta permitida

Pela série de irregularidades observadas, o MPMG e a PBH pediram pela segunda vez à Justiça, no dia 8 de outubro, a suspensão definitiva das atividades da Gute Sicht e o bloqueio de R$ 20 milhões das contas da mineradora.

Apesar de tantos elementos contra a Gute, o juiz Rogério Santos Araújo Abreu entendeu que a empresa não teve seu processo de defesa garantido na esfera administrativa. Em sua decisão, Abreu afirmou que a suspensão do termo aditivo ao TAC causaria prejuízos à atividade empresarial e que a decisão não causaria danos irreversíveis, já que a liminar pode ser revogada a qualquer momento. As marcas da retirada diária de cerca de 40 caminhões de minério, contudo, são bastante nítidas na paisagem.

Neste sábado, 29, o prefeito de Belo Horizonte, Fuad Noman, comentou a decisão da Justiça através da sua conta no Twitter. “No final da tarde dessa sexta, véspera do feriado prolongado do Judiciário, a 5ª Vara da Fazenda Pública concedeu liminar permitindo a mineração na parte já tombada por BH na Serra do Curral. Determinei que o recurso seja feito imediatamente para derrubarmos rápido esse absurdo”, escreveu.

Por meio de nota, a PBH informou que a Procuradoria-Geral do Município (PGM) recorrerá da decisão. O governo de Minas afirmou que não foi notificado e que se manifestará nos autos do processo.

Decisão em 8 minutos

Essa não é a primeira decisão do juiz da 5ª Vara da Fazenda Pública acerca da Serra do Curral. Ele também negou duas ações do MPMG e uma da PBH em processos sobre a licença ambiental concedida ao complexo minerário que a Tamisa pretende instalar na área.

O juiz Rogério Santos Araújo Abreu. Imagem: TJMG/reprodução.

Em uma delas, o MPMG argumentava que o processo de tombamento da serra já estava correndo e por isso a licença ambiental da Tamisa não poderia ser válida. Na outra ação, o órgão pedia a anulação da declaração de conformidade emitida pelo município de Nova Lima sobre o projeto da Tamisa, por infringir diretrizes do Plano Diretor do município.

A decisão mais insólita de Abreu foi proferida no dia 13 de julho, quando ele concedeu uma liminar à Tamisa suspendendo a reunião do Conep que deliberaria sobre o tombamento provisório da Serra do Curral, minutos antes de seu início. O tempo de resposta ao pedido liminar chama atenção: 8 minutos.

Isso significa que o juiz teria levado menos de 20 segundos para ler cada uma das 24 páginas da liminar da mineradora. A petição foi apresentada um dia antes, às 16h, com uma emenda inserida no sistema às 0h44. Somente às 8h46 de quarta-feira a ação foi concluída para apreciação e a decisão foi emitida às 8h54, seis minutos antes do início da reunião do Conep. Abreu também precisaria ter usado esse tempo para estudar o texto e redigir a resposta, de 5 páginas.

No mesmo dia, o magistrado também extinguiu uma ação da PBH contra a Tamisa e o governo do estado.

O dossiê de tombamento estadual da serra, validado pelo Iepha em dezembro de 2020, está desde então sem ser apreciado pelo Conep. Sob a gestão de Romeu Zema (Novo), o conselho se reuniu somente uma vez em 2021 e uma vez neste ano, apenas para empossar os novos conselheiros dos próximos dois anos.

 

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